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A Pequena Sereia

3/5

Little Mermaid

2023

135 minutos

3/5

Diretor: Rob Marshall

Após anunciada a refilmagem live action de A Pequena Sereia (1989), um debate esperado aqueceu as redes sociais: qual a necessidade de refilmar um clássico? Embora válido o questionamento – eu devo ter participado dessas conversas em algum nível – é válido questionar: a arte é necessária? E a resposta é negativa. A arte não é necessária, nem útil. 2001: Uma Odisseia no Espaço foi tão desnecessário quanto será o trigésimo filme da Marvel. Esse juízo é tão comum quanto, ele sim, é desnecessário. Não é refilmar a história (nem o motivo financeiro que leva a Disney a fazê-lo), é a maneira como a história é refilmada. É isto que poderá trazer alguma forma de impacto ou legado à arte.

Junto a esse debate, um preconceituoso e transparente à crítica. A escalação de Halle Bailey, uma atriz e cantora negra, para o papel de Ariel, a reclamação de uma minoria barulhenta que acredita em a) em sereias e em como estas devem parecer, b) que a refilmagem pode mudar a experiência que tiveram com o original, e ignora c) que a escolha de Halle se deveu a ter feito a melhor das audições (ouça-a cantando para entender). Não sou ingênuo, eu sei qual é a razão de a turba raivosa haver criticado a escalação, mas deixa para lá.

A Pequena Sereia é uma das mais fiéis refilmagens do estúdio Disney e conserva a trama como era. Ariel é a filha de Tritão e sonha em caminhar no mundo da superfície, apesar de o pai a alertar quanto à crueldade humana. Certo dia, depois de um naufrágio, Ariel resgata e se apaixona pelo príncipe Eric (Jonah Hauer-King). Este momento não escapa ao olhar de Úrsula (Melissa McCarthy), que bola um plano maligno para se vingar do irmão e assumir o controle do reino. Ariel deve abrir a mão de sua voz, por três dias, para ser humana e tentar obter um beijo do amor verdadeiro de Eric. Caso não consiga, estará sob o poder de Úrsula para sempre.

As alterações introduzidas na adaptação de David Magee (de Em Busca da Terra do Nunca, O Retorno de Mary Poppins e O Pior Vizinho do Mundo) ambientam a narrativa no Caribe e adicionam profundidade a Eric, tornando-o no reflexo das ambições e frustrações de Ariel. Eric é proibido pela mãe, a rainha Selina (Noma Dumezweni), de se aventurar além do castelo, e alertado quanto à fúria dos deuses marinhos. Isto aproxima Ariel e Eric: ela a sereia que ama a superfície, ele o humano que ama o mar, que não era tema na animação. Ao menos poderia ser assim, caso Jonah Hauer-King não tivesse uma expressividade igual a esta versão do Linguado.

Similar a O Rei Leão, A Pequena Sereia ancora-se no fotorrealismo dos animais aquáticos. A problemática é menor, pois Sebastião, Sabichão e Linguado são apenas coadjuvantes, e creio que a Disney tenha aprendido, em partes, com a experiência passada. Sebastião tem os olhos expressivos, iguais àqueles do Siriguejo de Bob Esponja, e são para onde o meu olhar se deslocou na busca do lúdico no realismo. Sabichão tem a plumagem e a dublagem de Awkwafina para retirar-lhe da prisão do real. Só Linguado que tem o carisma de um peixe vendido no mercado, porém o tempo de tela reduzido diminui também a relevância dela na narrativa.

Os efeitos visuais supervisionados por Tim Burke são competentes, mas falham na mobilidade dos atores aquáticos e nos penteados criados por computação gráfica. São elementos que nos distraem, em uma experiência que deveria ser, desculpe o trocadilho, imersiva. Por outro lado, a escuridão marinha não me incomodou o quanto incomodou alguns de vocês. A escuridão ajuda-nos a perceber a forma hostil e não acolhedora que Ariel enxerga o fundo do mar, atenuada por quinquilharias reluzentes de barcos naufragados. Além disso, a escuridão é oposta ao carnaval de cores da performance Under the Sea (Daveed Diggs teve personalidade em alterar o tom da versão clássica). E essa mesma escuridão assemelha-se à caverna escura onde Úrsula se esconde, embora esta seja ainda mais macabra.

Por falar nela, Melissa McCarthy não tem tempo de tela para se dedicar à malévola bruxa do mar. Entretanto, parabéns à adaptação por ter desviado da tendência contemporânea de tentar justificar, na forma de trauma, por que Úrsula é quem é. Ela é má, porque há pessoas más, fim. Já Halle Bailey é uma atriz competente que justifica a escalação quando se comunica no canto (Part of Your World é belíssima) e no ingênuo olhar ao mundo dos humanos, mas tem dificuldade em se expressar ao perder a voz. Desse modo, o diretor Rob Marshall apela a primeiros planos excessivos e incômodos em uma abordagem emoji de atuação. A inexperiência da atriz está registrada na limitação do olhar (a alternativa comum para uma expressão complexa) que, combinada com a direção careta, fizeram-me esperar o aparecimento dos alívios cômicos Sebastião e Sabichão.

A inexperiência de Halle está compensada pelo amor que dedica à personagem, o que não pode ser dito de Rob Marshall. Diretor especializado em musicais (Chicago, Caminhos da Floresta, O Retorno de Mary Poppins e Nine), embora nenhum deles tenha a inventividade e originalidade de um Moulin Rouge!, Rob Marshall é um caso a ser estudado. Medíocre, Rob perde toda oportunidade de embelezar os números musicais de A Pequena Sereia, em um universo mais livre do que aquele dos musicais anteriores. A incapacidade do diretor em utilizar o espaço e empregar a câmera virtual somente rivaliza com a ausência de criatividade, quando mimetiza os momentos chave da animação. E se A Pequena Sereia não é um desastre absoluto, é graças à montagem dinâmica de Wyatt Smith e o talento vocal dos intérpretes.

Seja como for, A Pequena Sereia termina com notas doces por duas mudanças sutis no roteiro. A primeira faz com que Ariel deixe de ser uma sereia indefesa no clímax e tenha a agência que lhe faltava na animação. A segunda conserta (ou “conserta”) o que, para mim, era o maior retrocesso do original. É que o roteiro modifica o foco do romance à relação entre pai e filha. Com isto, não é o amor verdadeiro que justifica a decisão de Ariel (Eric é somente a consequência do desejo e curiosidade de Ariel pelo mundo humano), mas sim a emancipação e o amadurecimento em relação ao medo de Tritão (o representante da geração anterior). 

Esta A Pequena Sereia trata da revolução de uma mulher que deseja correr, em vez de nadar, não pelo amor por outro, mas pelo amor por si. 

Leia também a crítica escrita por Álvaro Goulart clicando aqui.

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