Nem rainha, nem abelha, nem estrela. Apenas um ser humano. Apenas Maria Bethânia. Contando com trechos de apresentações e imagens inéditas de arquivo, Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu nos fornece um recorte íntimo sobre a artista que completou 55 anos de carreira em 2020. Somos convidados a ingressar no Copacabana Palace para um depoimento exclusivo abordando diversos temas que permeiam sua vida. Bethânia conta sobre sua música, sua religiosidade, de sua mãe, de seu pai, de Caetano. Fala sobre a Bahia, sobre amor, tristeza e alegria, de Fernando Pessoa e sua poesia, de Chico Buarque, de Mia Couto, de Nara Leão. Afirma seu jeito de ser, de pensar, de fazer música, de estar descalça no palco para se enraizar com esse lugar tão sagrado quanto um templo, da história por trás da mística de seu colar. Traz também sua passagem pelos anos de chumbo, sobre como lidou com sua perseguição, com o exílio de Caetano, que sempre foi o guia de sua jornada.
Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu não é o primeiro documentário, nem a única maneira de conhecer quem foi Maria Bethânia Viana Teles Veloso. Entretanto, essa produção procura concentrar-se na voz da própria artista, dar-lhe o controle sobre a narrativa. Afinal, quem melhor para falar sobre Maria Bethânia que a própria? Sua consciência sobre si não permite ruídos das construções de outros sobre ela. Como o próprio nome do documentário sugere, ninguém de fato a conhece e cabe somente a ela se apresentar. Com fotografias inéditas em preto e branco ao fundo, ouvimos a voz de Fernanda Montenegro lendo textos e poemas de terceiros trazendo um outro olhar sobre Maria Bethânia – o que pela natureza do documentário, não caberia.
A forma com que o documentário é construído é ordinária. Após percorrermos o interior do hotel até a chegada à sala onde o depoimento da cantora é filmado, a obra passa a exibir uma sequência de blocos tratando de temas específicos, quase como fosse dividido em capítulos. Cada bloco é composto por um recorte do depoimento, seguido pelo trecho de uma apresentação que comunica diretamente com a temática do que foi dito por Bethânia e, logo em seguida, a sequência de imagens de apoio com o off de Fernanda Montenegro. Essa construção repetitiva estreita o ritmo do documentário em uma linha reta. É muito rígido. E com isso é quase como tentasse suprimir a força da natureza que é Bethânia em uma forma cartesiana. Seria maçante se a figura em tela não fosse tão interessante.
Por mais que a artista queira ser colocada no mesmo patamar de qualquer pessoa, dotada de qualidades e defeitos, distante daquela construção inalcançável de ídolo, sua personalidade é magnética e, em todos os ângulos que a enquadre, ela se torna gigante. A pesquisa nas imagens de arquivo de apresentações e fotográficas enriquecem o documentário por trazer ineditismo à obra. Mas, infelizmente, seu formato é simplista demais para alguém tão cheio de complexidade. Não cabe enclausurar em uma estrutura ordinária uma figura extraordinária. Assim como a obra não deveria se sustentar em cima de seu personagem.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.