O palco é um lugar de contação de história, de viver uma vida que não a nossa e de emocionar o outro através da interpretação. Em Merde – Histórias de Bastidores, o teatro é consagrado enquanto temos acesso aos bastidores de um espetáculo. As batidas no tablado ecoam a permanência dessa arte que se mantém viva desde a antiguidade.
Em seus primeiros minutos, Merde nos dá acesso à preparação de uma dupla de atores desde a saída de suas casas. Acompanhamos os dois interpretes de personalidades distintas ao som de Fly, de Ludovico Einaudi – música tema de Intocáveis, com Omar Sy e François Cluzet. Os créditos iniciais nos presenteiam com a relação do termo “Merde” (“merda”) com o teatro, em um off gravado por Nicette Bruno para que, logo em seguida, os conflitos entre os dois atores nos seja revelado como em uma dinâmica entre a ordem e o caos.
O curta celebra o ofício do ator e o faz através do acesso ao camarim e uma conversa que se desenvolve. Alguns atores são mais metódicos. A imersão em seus personagens é um processo de transformação. Outros, por outro lado, abraçam o caos e o improviso. Reescrevem seus textos com os cacos deixados pela reação do seu público. Ambos são ávidos, competentes e apaixonados por suas atividades. O que os difere é apenas a maneira com que conduzem seu trabalho. Cada um à sua maneira está costurado à história dessa profissão e merece ser lembrado. E é mediante essa filosofia que Merde também celebra aqueles que tanto contribuíram ao tablado, mas que hoje entretém apenas no palco celestial.
O curta se concentra numa linguagem mais teatral do que cinematográfica. A montagem não privilegia a intenção do projeto ao deixar seus elementos desconectados, favorecendo mais o caos em detrimento à ordem. A fotografia, porém, ainda se mantém fiel à sétima arte. É possível identificar inspirações, como a das escadas “hitchcockianas”, por exemplo. Também a construção dos planos que contrastam e aproximam opostos dentro do quadro demarcam que a obra se trata de um filme e não o registro de peça centrada na metalinguagem. Ainda assim, é uma produção que deve atingir mais aqueles que fazem parte do mundo dos palcos.
Merde – Histórias de Bastidores também é o último filme de Nicette Bruno, que nos deixou em dezembro de 2020 devido às complicações decorrentes da Covid-19. Poder ouvir novamente a voz dessa atriz que exerceu por tanto tempo o ofício da atuação no teatro, no cinema e na televisão é um acalento que o curta nos oferece.
Merde – Histórias de Bastidores foi exibido na 2ª Edição do Festival de Cinema de Vassouras, no Vale do Café.

JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 3 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico. Em 2025, criou seu perfil, Cria de Locadora, para comentar cinema em diversos formatos.