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The Old Oak

5/5

The Old Oak

2023

113 minutos

5/5

Diretor: Ken Loach

O diretor britânico Ken Loach não dosa as denúncias que realiza através da matéria fílmica. Ele as escancara. Não há meias verdades nem subterfúgios em Eu, Daniel Blake, Você não Está Aqui ou Ventos da Liberdade. Há certezas enunciadas de forma direta, até expositivas, fruto do inconformismo e da revolta do diretor associado ao roteirista Paul Laverty, habitual colaborador, com a sociedade capitalista. Dá para comparar essa parceria com a de Vittorio De Sica e Cesare Zavattini, o nó central do neorrealismo italiano, que inspirou esse realismo social e trabalhista pelo qual Loach e Laverty são conhecidos e premiados.

The Old Oak é o nome do bar decadente (literalmente) gerenciado pelo gentil, mas exausto TJ Ballantyne (Dave Turner, um ator não profissional que participou de Eu, Daniel Blake e Você não Está Aqui). Aqueles atributos são colocados à prova após famílias de imigrantes sírios, em exílio em razão da guerra, serem alocados nos apartamentos do quarteirão onde moram famílias inglesas e de imigrantes irlandeses de classe média e baixa, que enfrentam o processo de desvalorização imobiliária (atribuído falsamente à chegada dos imigrantes). A partir de um contato inicial com Yara (Ebla Mari), que tem a câmera fotográfica destruída, TJ entra em contato com uma parte do passado que havia enterrado, a do trabalhador atuante, que ia às ruas protestar por condições de vida e trabalho dignas contra o governo neoliberal de Margaret Thatcher (a vilã do cinema de Ken Loach).

A relação amistosa entre TJ e Yara é o eixo emocional de uma narrativa que fala de pontos de encontro. A primeira representação disso está na transformação do salão do bar, ainda mais precário, em restaurante comunitário, com a intenção de integrar os imigrantes sírios à comunidade e eliminar, ao menos atenuar, a xenofobia sofrida. Ao mesmo tempo, Laverty e Loach têm a difícil, não impossível (pois realizam) missão de conciliar temas considerados rivais pela imprensa e por certos segmentos sociais: a deterioração da condição de vida da classe trabalhadora e o fluxo humanitário de imigrantes de zonas de guerra. A dupla adota o equilíbrio e a harmonia. De um lado, desarma a falsa relação de causa e efeito entre a crise econômica e os imigrantes (os bodes expiatórios da ocasião, eleitos pela classe dominante na imprensa e nas correntes de WhatsApp). Do outro lado, evita que TJ adote a postura de um salvador branco à Yara, especificamente. Loach não joga confete sobre TJ, mas admira sua postura.

É que TJ parte do conceito de marra, um amigo, um igual, que cuida de um do outro. É um conceito alienígena para aqueles que creem no individualismo e na concorrência, em vez da solidariedade e do espírito de comunidade. A crítica está na forma de fratura exposta, e não há nada de errado nisso. TJ compreende que o problema não é o ressentimento, mas para quem dirigimos nosso ressentimento: se para aqueles com as botas sobre nossas cabeças ou para aqueles sob nossos pés (a escolha da maioria é óbvia). Quando o melhor amigo de TJ, Tommy, lamenta e chora o deságio do imóvel onde mora com a família há décadas, sentimos a compaixão que nega aos imigrantes. O talento humanitário da direção está em fazer com que não sintamos, por Tommy, o desprezo que este sente por aqueles abaixo de si, alimentado pelo ódio instilado por pitbulls da vida real.

Essa sensibilidade reduz qualquer objeção que pudesse ter com roteiro, menos expositivo do que é didático, pois Laverty sabe a forma de dialogar com o público-alvo (que é o mesmo público que poderia frequentar o Old Oak). Não é através de artifícios literários, mas de uma comunicação direta e compreensiva, que se faz presente no momento em que Yara, munida de boas intenções, entra na casa de uma adolescente para ajudá-la e é enxotada pela sua mãe. A princípio, há só a antecipação (suspense), pois sabemos qual será a atitude quando encontrar Yara mexendo na despensa e geladeira. Esse suspense é seguido pela surpresa, que por natureza é imprevisível, de um contato mediado pela gentileza.

Pois, assim como os animais podem ser ensinados a matar (ilustrado na narrativa), também podem ser ensinados a cuidar. No mesmo sentido, também os moradores do bairro podem aprender a conviver com os vizinhos e cuidar deles. Ambos desejam a mesma coisa, um lar, afinal de contas. É até surpreendente que, no final da carreira, Ken Loach tenha abraçado a gentileza e o otimismo ausentes em obras anteriores. Faço das palavras de Paul Laverty as minhas.

Quando olho pela câmera fotográfica, eu escolho enxergar o mundo com esperança, afirma Yara.

A esperança é obscena, mas se eu deixar de ter esperança, meu coração deixará de bater, menciona TJ, em outro momento.

Apesar de a experiência ter revelado a injustiça, a indignidade e a desigualdade do mundo aparentemente incorrigível a Ken Loach e Paul Laverty, que esses marras tenham notado que a arte não deve bater em nós da mesma forma que a classe dominante tem feito, mas abraçar e convidar à comunidade que é mais forte quanto mais plural, é um feito digno de 5, ou até mais, estrelas.

Crítica publicada para a cobertura do Festival de Cannes 2023.

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