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El Reino de Dios

4/5

El Reino de Dios

2022

73 minutos

4/5

Diretor: Claudia Sainte-Luce

Em El Reino de Dios, acompanhamos a rotina de Neimar, um menino de oito anos, que vive humildemente com sua mãe e avó em uma casa pouco estruturada, em uma região rural do México. Em seu dia-a-dia, o menino passa o tempo acompanhando corridas de cavalo, brincando com amigos e frequentando uma escola de catequese. Neimar está bastante ansioso com a aproximação do dia primeira comunhão. Mas, aquele que deveria ser seu momento de encontro com Deus, vai se enveredando por outro caminho.

Neimar é um menino que transborda carisma e uma genialidade inocente de quem vive o melhor tempo da infância. É divertido acompanhá-lo e a se surpreender com suas tiradas em situações inusitadas. Por exemplo, quando o professor de catequese passa a perguntar sobre cada mandamento, e Neimar responde disparando uma lista de cada um deles, na esperança de acertar. Ou até mesmo durante a catequese, quando recebe a hóstia pela primeira vez e retorna ao fim da fila. Quando questionado pelo padre, Neymar diz que “ainda não havia dado para sentir Deus” e, assim, recebe uma segunda.

Sua relação com a fé e o sobrenatural é, desde o início, explorada. Seus sonhos e pesadelos que o fazem se esconder embaixo da cama como qualquer criança. A expectativa que vai gerando com sua primeira comunhão é inversamente proporcional à atenção que consegue ter durante as aulas de catequese. Neimar está sempre disperso, pesando nos momentos de brincadeira ou nos cavalos das corridas que assiste com olhos atentos e deslumbrados. Quando não está na companhia de sua melhor amiga, ou na de animais, Neimar compartilha da presença e do carinho de sua avó. É a idosa que passa a maior parte do tempo se dedicando à sua criação. Sua mãe, pouco fica em casa, e Neimar chega a revelar ao padre que não possui uma boa relação com ela durante um momento de confissão dos pecados.

Neimar na companhia de sua mãe e avó. Foto: divulgação

A questão da religiosidade é muito enraizada na família, o que acaba sendo um reflexo do México, um dos países com a maior concentração de católicos. Sendo um pilar social de valores, a fé cristã acaba sendo uma exigência no âmbito familiar. No caso de Neimar, a conquista da primeira comunhão é um marco na vida do menino. Ela chega até mesmo a garantir presentes, como um terno branco novo para a ocasião e uma camisa da seleção brasileira de futebol com o seu nome escrito atrás (Neimar possui o mesmo nome do jogador brasileiro, porém com outra grafia: “Neimar” ao invés de ‘Neymar”). Apesar disso, é possível notar o pouco entendimento da criança sobre a sua fé, ou religiosidade. Também é notório o quão entediado e pouco interessado Neimar fica nas aulas da catequese. Nota-se que, ainda que possua o sentimento de fé e de esperança, seu credo ainda não é amadurecido. É encarado praticamente como um jogo de recompensas. E, em forma de planos abertos repletos de espaços vazios, podemos sentir o isolamento do menino e a dúvida que ainda pulsa em seu interior.

Neimar sozinho acompanhando as corridas de cavalo mais uma vez isolado no quadro

Ao longo de sua curta jornada, Neimar se depara com adversidades, como a queda do cavalo pelo qual nutre mais afeição. Apesar da gravidade do estado de saúde do animal, o menino é esperançoso quanto a sua recuperação. A cena da queda do cavalo é muito emotiva. Nos compadecemos com desespero no rosto do menino e das lágrimas que precipitam do seu ingênuo olhar. Ainda que sendo puxado, Neimar se recusa a sair de perto do cavalo, permanecendo abraçado a ele enquanto chora. Foi necessária muita calma das pessoas ao redor que garantiam de que haviam chances de recuperação do animal, para acalmar o nosso protagonista.

O ponto de não retorno do menino Neimar se dá no dia de sua primeira comunhão. A mote de sua avó, que dividia com ele um sonho da catequese, é o primeiro passo para deixar opaco o olhar do menino. A forma com que vaga durante o velório em sua casa denuncia que seu mundo já não é mais o mesmo. Existe revolta dentro de Neimar. Sua raiva é despejada com o auxílio de uma vara enquanto dispara gritos de fúria. Somente com a não recuperação do cavalo é que percebemos que o menino sorridente e esperançoso do início do filme não existe mais. Quando decide ele mesmo decide tirar a vida do animal que idolatrava, seus olhos já não possuem brilho. E quem caminha em direção à tela – e a nós espectadores – é outro. Um Neimar que não acredita em mais nada. Um Neimar diferente do menino. Um Neimar desconhecido.

Escancarando a efemeridade da vida, o desespero e a morte da inocência, El Reino de Dios nos apresenta uma reflexão sobre a sustentação da fé, se ela sempre esteve dentro do indivíduo ou é apenas uma imposição social, ou só uma correspondência às expectativas. Enquanto observo Neimar, me encontro um pouco naquele menino. Também tive perdas significativas naquela mesma faixa etária. E, talvez os mesmos por quês vieram à cabeça. O filme consegue de maneira carismática nos conquistar. Principalmente graças à atuação do ator mirim Diego Armando Lara Lagunes. E, com leveza e pesar nos momentos certos, nos faz refletir sobre nossas escolhas individuais à respeito de religiosidade.

El Reino de Dios foi assistido no 17 Festival Internacional de Cinema Cine BH.

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