A documentarista Susanna Lira estreou seu filme Nada Sobre Meu Pai na 23ª Edição do Festival É Tudo Verdade, no Rio de Janeiro. Sua obra é um registro de sua busca por respostas sobre a identidade e o paradeiro de seu pai, um jovem militante de esquerda equatoriano que veio ao Brasil para combater a ditadura. Além de compartilhar com o público um processo tão íntimo de descoberta e ressignificação, Susanna ainda cria uma ponte histórica com os dois países latino-americanos. Nada Sobre Meu Pai está sendo exibido na Mostra Continente do 17º Festival Internacional de Cinema Cine BH, e a cineasta aproveita para comentar um pouco mais a respeito do filme e do festival.
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A.G.: “O seu filme é uma ponte entre Equador e Brasil. É uma ponte histórica. É uma ponte pessoal. E uma ponte também sobre um momento histórico de ambos os países que é amargo. Eu gostaria de saber de você como está sendo exibir o seu filme nesse festival que tem essa questão da latinidade tão forte?
S.L.: “Primeiro, eu tô super emocionada de tá aqui com você, podendo falar do filme, te agradecer pela atenção que você sempre dá ao filme. Enfim, é um trabalho que eu sempre valorizo muito, o trabalho da crítica. Por que sem a crítica a gente nunca melhora. A gente, como indústria, também não amadurece. Então, Obrigada! É… tô muito feliz de tá aqui no Festival Cine BH, com esse tema desse ano, que é a coisa do território e latinidade. Então, meu filme não seria… não teria lugar mais apropriado para estar sendo exibido. Mas eu tô, ainda, muito mais emocionada por um outro motivo: a minha mãe é mineira. Então, é a razão por eu existir e estar aqui em Minas Gerais. Então vai ser uma sessão muito emocionante porque várias pessoas da família dela vão vir ver o filme, e muitas pessoas que nem conhecem essa história. Porque, você viu o filme sabe que é um pouco… misteriosa demais! Mas ela, como uma boa mineira, conseguiu me criar e conseguiu que eu tivesse aqui hoje. Então, eu tô bem… esses…. essa sensação pra mim vai ser uma das mais especiais. Obrigado Cine BH por ter me convidado e ter convidado o filme.”
A.G.: “Então, mais uma pergunta a respeito de sua mãe. Porque eu assisti o filme e, apesar de ser Nada Sobre Meu Pai, ele diz tudo sobre a sua mãe. Eu queria que você falasse exatamente sobre isso; sobre essa relação dela com esse momento de você buscar respostas; sobre a importância dela porque a força dela, a gente consegue sentir dentro do documentário. É bem latente! E eu gostaria que você conversasse sobre isso.”
S.L.: “É muito interessante isso que você traz porque a minha mãe foi entrevistada para o filme e eu não usei a entrevista dela. Mas ela tá no filme inteiro, né. Quando eu pensei no Nada Sobre Meu Pai, na verdade era um diálogo com o filme do Almodóvar, o Tudo Sobre Minha Mãe. Porque, na verdade, em algum momento, é tudo sobre minha mãe, porque quem me apresenta a esse pai é a minha mãe. A forma como minha mãe discute essa história e ela me cria, né, têm tudo a ver com… primeiro com as mulheres de Almodóvar. (Elas) São extremamente fortes, independentes e divertidas. A minha mãe é essa pessoa. (Minha mãe) É extremamente generosa, extremamente afetuosa. Então, quando a minha mãe apresenta pra mim um pai que vai embora da maneira como ela me apresentou, que nunca conhecia. A gente não tinha nenhuma foto dele, nem nada. É de uma força impressionante, né. Então, quem ficar até o final do filme vai ver que tem lá um recado que eu deixo pra ela nos créditos finais que eu acho que mostra muito isso da força da mulher brasileira, da força da mulher mineira que tá aqui falando e, de como a gente pode transformar qualquer ausência, qualquer dor, a gente pode construir isso em forma de arte. Foi isso que ela me ensinou.”
A.G.: “Legal que você consegue ressignificar essa sua dor porque, de certa forma, ficou um vazio. E você conseguiu construir um documentário que entrega tanto, que diz tanto. Como é que é para você sair com tantas perguntas e voltar com respostas que talvez você não imaginava ter?”
S.L.: “Esse filme foi um processo de cura também. Um processo de cura de muitos anos, de muitas perguntas, de muitos vazios, como você falou, mas eu vou buscar as respostas no cinema, nos cineastas, né. É a minha sala de psicanálise, o meu divã. Acho que isso diz muito sobre mim. O cinema também é uma arte que me faz me expressar pro mundo, e como também ela me acolhe, me recebe. Talvez seja um dos motivos pelos quais eu filmo tanto. Porque eu gosto de… é um lugar onde eu me sinto melhor no mundo… é fazendo cinema. Acho que tem isso: tem a cinematografia, tem o cinema que me ensina, e tem esse processo de cura que as respostas não são aquelas que você espera que exista, mas aquela que o mundo te dá. Então, precisa ter o olhar. Você precisa ter a percepção de que você está escutando e, se aquilo não está te servindo, você perde muito. Então, eu não fui em busca de algo idealizado. Eu fui em busca de alguma coisa e, foram várias situações, né, que eu recebi de amor e de afeto, e fico completamente preenchida.”
Entrevista concedida ao Alvaro Goulart, para o Cinema com Crítica, no dia 27 de setembro de 2023.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.