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Ana

4/5

Ana

2023

75 minutos

4/5

Diretor: Marcus Faustini

Nessa produção totalmente independente, somos apresentados à Ana, uma jovem mulher que perdeu a mãe recentemente e trabalha levando cachorros a passear e distribuindo panfletos para garantir o sustento para si e seu irmão. Ele também está sob ameaça de uma vizinhança hostil que não aceita suas investidas pelo mundo como drag queen. E entre contas a pagar e constantes intimidações, a protagonista conta apenas com a sororidade de seu pequeno grupo de amigas. Como se não bastasse ter que sobreviver diante de suas adversidades, Ana ainda tem que lidar com o retorno de um antigo namorado. E por mais que procure encontrar alguma ordem no caos, seu mundo será ainda mais chacoalhado.

Ana e seu antigo namorado, Christiano / Foto: divulgação

Ana vai muito além de mostrar uma narrativa cujo cenário destoa das áreas turísticas comumente utilizadas nas produções. Suas ramificações e desdobramentos discutem aspectos do subúrbio e periferias de maneiras diretas e indiretas. Seus planos abertos imprimem o isolamento daquela família de dois, além da aspereza das linhas de metrô e trem. O mundo além das estações não oferece segurança para nossos personagens. Pelo contrário, o cenário hostil e pouco iluminado guarda, à espreita, oculto em suas sombras as ameaças que cercam o jovem LGBTQIA+. O recorrer a uma força paralela ainda mais nociva é outro elemento desse microcosmo que escapa do maniqueísmo. E, ainda que exiba os letreiros das estações da Pavuna e Silva Freire (Méier), Ana é uma história que poderia se passar em qualquer bairro suburbano.

Apesar das diversas violências explícitas, Ana ainda trabalha o nosso imaginário ao deixar um disparo fora do campo. O barulho seco do tiro é mais do que suficiente para termos a compreensão do ocorrido. Sua simplicidade de recursos torna ainda mais realista sua execução. A textura áspera sobre a luz esverdeada não impede com que a fotografia seja invadida pelas cores quando é para destacar a performance drag em uma boate. Ana prova que o cinema independente tem muito a oferecer ao espectador através da direção competente e de uma decupagem bem realizada.

O enredo é centrado nas histórias de personagens comuns. Jovens sem estrutura familiar que precisam superar adversidades e garantir a subsistência enquanto sobrevivem a um mundo que os massacra não é nenhuma novidade. Assim como não são raros os casos de pessoas LGBTQIA+ que são perseguidas. Ainda que simples, a trama é carregada de emoção. Isso se deve principalmente pelas atuações de Ana (Priscila Lima) e seu irmão (Gustavo Luz). Enquanto a atuação minimalista de Priscila é voltada para os pequenos gestos que buscam a empatia do nosso olhar, Gustavo é uma explosão de diferentes emoções durante o processo de descoberta de seu personagem. Cada intérprete à sua maneira é um deslumbre de potência artística.

A interpretação minimalista de Priscila Lima aliada a direção contemplativa de Faustini.

Por meio de um rosto conhecido, Ana nos apresenta um personagem repleto de mistério que desafia nossa compreensão. Vinícius de Oliveira, o menino Josué de Central do Brasil, está no papel de Christiano. Seu personagem possui um pano de fundo nebuloso, cujo retorno à vida de Ana não sabemos dizer se será positivo ou não. Apesar de nossa constante desconfiança, Christiano aparenta nutrir afeto e oferece algum cuidado a protagonista, e que se estende a seu irmão. Está claro seu envolvimento com atividades ilegais e que isso está diretamente relacionado com seu primeiro afastamento. Ainda assim, nossa curiosidade a respeito do personagem é constantemente estimulada. Novamente, o filme não busca soluções maniqueístas.

Ana é um filme que precisa ser encarado para além de sua simplicidade. Existe o cuidado em trazer narrativas universais, mas que ainda merecem atenção. Muito além da violência urbana e a homofobia, a narrativa está centrada na saúde mental da protagonista. Em como sua resiliência consegue driblar o desespero diante de todas as situações que vivência. De como cuidar de si e também do outro. Uma Ana entre várias Anas que existem por aí. Apesar da limitação de recursos, é possível identificar o esmero de Marcus Faustini em trazer às telas seu enredo. Novamente chamo a atenção à qualidade na direção e, também, à interpretação dos artistas. Ambos são responsáveis pela fixação de nosso olhar na tela diante de um enredo que, para alguns, pode soar simplório.

Ana foi exibido na Premiere Brasil do 25º Festival do Rio.

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