Desenhado sobre a música brasileira dos anos 60, Atiraram no Pianista reabre o caso do desaparecimento do pianista Tenório Júnior durante uma turnê com Vinícius de Morais, em Buenos Aires, durante a ditadura argentina. Com formato de animação, somos apresentados aos principais redutos da boemia jazzística carioca, como o Beco das Garrafas, por meio de depoimentos daqueles que frequentavam o cenário musical nos anos de ouro. Um registro da música e da política na memória.
Entre relatos acerca do músico e de seu desaparecimento, o filme nos entrega diversas histórias ocultas sobre aquele tempo. Histórias de bastidores e curiosidades. Como, por exemplo, quando Ella Fitzgerald invade um palco no Beco das Garrafas e começa a improvisar sobre o som da Bossa Nova. São diversos artistas que dão seu depoimento, Chico, Gil, Caetano, Milton e tantos outros que conferem um formato documental à obra. Para os moradores do Rio, em especial os que frequentam a zona sul, o longa ainda vai trazer um sentimento de pertencimento.
É interessante como o longa funciona como um thriller investigativo. Acompanhamos o jornalista americano dublado por Jeff Goldblum mergulhar em sua obsessão por respostas enquanto aos poucos vamos montando esse quebra-cabeça que conecta os dois países latino-americanos. O filme serve como uma ponte histórica entre esses momentos sombrios em ambos os lados. Também é direto ao apontar o interesse e envolvimento americano nas implementações das ditaduras militares ao longo da América Latina a fim de conter a “onda comunista” que ameaçava o estabilishment dos Estados Unidos.
Assim como o jazz e o samba juntos formaram a bossa-nova, um crime real e um pouco de ficção deram origem a Atiraram no Pianista. Seu caráter híbrido torna inquietante desvendar essa história. O formato de animação traz um diferencial pitoresco ao longa. Acompanhado de uma trilha musical que nos embala, podemos respirar um pouco do que foi o Rio de Janeiro naquele período. Mas, se a trama é inquietante por ser baseada em um crime ainda sem solução, sua montagem pode perder a atenção do espectador. São muitos os depoimentos que se prolongam, dando uma impressão de que estamos assistindo a um documentário no formato talking head – a meu ver, o formato menos interessante. Sendo assim, por mais agradável que seja acompanhar os traços da animação e pela música que faz fundo, esse excesso que interrompe o ritmo da trama faz com que a obra acabe perdendo a sua potência.
Atiraram no Pianista foi exibido na abertura do Festival do Rio 2023
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.