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A Traveler’s Needs

3.5/5

여행자의 필요

2024

90 minutos

3.5/5

Diretor: Hong Sang-soo

Cada obra do sul-coreano Hong Sang-soo retoma seu estilo mínimo, monótono, anedótico e despido de intercorrências. Seu cinema é brando e confortável de contemplar, mesmo que a leitura apressada e, por isto, equivocada seja de que é mais do mesmo dentro da obra dele. Na realidade, a percepção que tenho a respeito da obra do mestre sul-coreano é de que cada obra é um capítulo de um livro escrito por um Poeta – um personagem recorrente em seu cinema e que agora morreu tragicamente jovem -, assim justificando a repetição, ocasionalmente desafiada por um ajuste microscópico de um ou outro elemento narrativo e estilístico.

O seu primeiro trabalho deste ano, A Traveller’s Need, troca o soju, pelo makgeolli, uma bebida de característica alcoólica e preferida de Iris (Isabelle Huppert), uma imigrante francesa na Coreia do Sul cujo passado e futuro são incertos. Há só o agora, o que explica o motivo de apreciar sentir o toque do rio ou da terra, de caminhar descalça, de viver cada interação e cada aula de francês, o meio de sustento no país, ainda que não tenha experiência didática, nem apostila. Iris encontra os alunos e, a partir da estrutura repetida, ensina-os o idioma a partir de uma fita cassete – que não escutamos – e a interpretação cotidiana anotada em francês em bloquinhos de papel.

Iris não é o mistério que parece ser, caso enxergada poeticamente. Óbvio que a curiosidade inspira o espectador a buscar pistas de quem era, por que imigrou da França e como conheceu o jovem Inguk (Ha Seongguk), com quem divide apartamento e aparenta ter um relacionamento romântico, mas isto afasta o olhar para o que de fato importa: o agora. Agarrar-se à racionalidade é um esforço frustrante ainda que tentador. “A primeira parte é boa, a segunda é diferente”, explica Iris à primeira aluna, uma ideia existente nos encontros, inicialmente divididos em partes coincidentemente similares, ao ponto de personagens diferentes em oportunidades diferentes responderem a mesmíssima coisa. Este até parece ser o ‘jogo’ de Hong Sang-soo, até subverter a segunda metade de seu filme e expandir a sua construção a Inguk.

No meio do caminho, a direção acolhe a espontaneidade e os obstáculos como elemento constituinte da narrativa. Enquanto come uma comida típica sul-coreana, Iris olha para o lado e sorri brevemente para alguém que imaginamos estar fora do campo de visão – ou seja, dentro do restaurante, mas não registrados na imagem -, mas que possivelmente está fora do quadro. E aí, não é mais Iris, mas sim a própria Isabelle Huppert que deveria estar recebendo instruções da direção. O trecho é mantido, tal qual o em que Iris traduz, em francês, a poesia escrita em um monumento. A fala dela é interrompida pelo estrondo do motor de uma motocicleta, em duas oportunidades, embora a cena prossiga mesmo que a atriz veterana pareça ter pedido a concentração. A ideia de manter, no corte final, uma cena a princípio prejudicada por fatores imprevisíveis e externos à filmagem caminha ao encontro do jogo de encontros fortuitos que há na narrativa: a visita inesperada da mãe de Inguk, o encontro com a jovem na rua.

Mais uma vez percebo a minha tentação de racionalizar uma obra poética, organizada em estrofes e com refrões (ex. os monumentos onde estão inscritos poesias ou, então, o patrono responsável por uma doação expressiva) e rimas literais, mas na maioria das vezes emocionais. Se a jovem aluna de Iris lembra aos prantos que, embora sinta vergonha do pai por ter ‘comprado’ reconhecimento, tinha certeza de que este a amava, a mãe de Inguk admite amá-lo, apesar de ter permanecido ausente. A ausência de identidade revela uma afinidade sentimental, e é desta água límpida que bebe a direção em A Traveller’s Need.

Uma obra que, perdoe o trocadilho, não tem necessidade de ser racionalizada para ser sentida como uma ode ao momento presente.

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