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Shambhala

3.5/5

Shambhala

2024

150 minutos

3.5/5

Diretor: Min Bahadur Bham

A empreitada de filmar Shambhala no Himalaia napalês a alguns milhares de metros de altitude é um feito digno de menção e que dimensiona a aventura dramática de Pema (Thinley Lhamo), a filha única de uma família, desposada por Tashi (Tenzin Dalha) e seus dois irmãos. Eis um dos prazeres de amar o cinema: conhecer países e culturas que você talvez não tivesse a oportunidade de fazê-lo de outra maneira. A partir do conhecimento adquirido e percebido acerca da cultura, tradições e aquilo que define aquela comunidade, é possível elaborar uma reflexão aprofundada sobre a sociedade em que vivemos.

Provoca um estranhamento natural o casamento poliândrico de uma mulher e os irmãos de uma família, pois partimos de um olhar estrangeiro construído dentro de uma sociedade monogâmica. Em contrapartida, é fascinante assistir à cerimônia e aos ritos, notar a beleza da indumentária e dos acessórios, embora não tenhamos a capacidade de compreender inteiramente o que representam tais elementos, senão seu valor estético e imediatamente acessível à percepção. E tem, ainda, o elemento comum com a nossa cultura: a sociedade patriarcal e o rebaixamento da posição da mulher, quando Tashi, que viajou, desconfia que a gravidez de Pema é de um outro homem, Ram Sir (Karma Shakya).

Aí é onde o ‘Outro’ passa a ser igual a nós, alterando apenas os instrumentos de opressão operados  dentro daquela sociedade. Esse aspecto é sugerido casualmente quando Tashi pede para que Pema não se aproxime de uma mulher específica que “dorme com todo mundo” – afirmam uns, acreditam outros. Pema é vítima da língua ferina e, a fim de demonstrar a inocência, decide viajar ao encontro do marido, acompanhada do irmão dele e seu marido também, o monge Karma (Sonam Topden). É uma espécie de walk movie, cujas pausas são ocupadas com a sabedoria budista contida no roteiro de Min Bahadur Bham e Abinash Bikram Shah ou com as visões (ou alucinações) transcendentais de Pema, enquanto amadurece espiritualmente.

O que aprecio na direção de Bahadur é a forma como a geografia expressa a própria jornada física e espiritual de sua protagonista. A cadeia montanhosa presente nas tomadas externas redimensiona o aspecto humano de abandonar o terceiro marido, Dawa (Karma Wangyal Gurung), em idade escolar, para comprovar a honra perante o marido, mesmo ignorante se este acreditará, ou não, e se exigirá, ou não, a prova de fidelidade – um costume que Katniss Everdeen, de Jogos Vorazes, passaria com louvor. E, se a jornada para comprovar não ser adúltera é reduzida à poeira naquela imensidão, isto não pode ser dito em relação à transformação espiritual, uma jornada fotografada através de um filtro amarelo – a cor do lenço de seda que envolve um artefato importante – e que coloca a personagem à frente e até maior do que aquelas montanhas.

Aliás, a direção realiza uma opção estilística consistente em empregar só planos abertos ou médios a fim de narrar a história intimista. À distância dos personagens, a câmera é observadora dos hábitos da comunidade. Durante a parte inicial da narrativa, Bahadur registra a distribuição de afazeres entre homens, mulheres e crianças, com uma câmera fixa e movimentando-se panoramicamente. A fim de ilustrar as tomadas internas, a câmera aproxima-se, mas não o bastante para um close. Um exemplo é o instante, no interior da barraca, em que Pema e Karma têm um momento de cumplicidade, ainda que separados por uma lâmpada a óleo. O que mais me intriga na decisão é que, em uma narrativa a respeito da jornada espiritualmente emancipatória de uma mulher, Bahadur posicionou a câmera de tal forma que não penetramos na expressão e, ainda assim, podemos senti-la.

Quem valoriza o estilo de Shambhala é a atriz Thinley Lhamo, que harmoniza a dócil submissão com a ousada determinação e o nirvana de libertação. Thinley transparece harmonia, e é a bússola desta jornada do espectador em direção a outro mundo, mais semelhante do que diferente do nosso.

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