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Parthenope

3.5/5

Parthenope

2024

136 minutos

3.5/5

Diretor: Paolo Sorrentino

Mesmo em trabalhos irregulares, como este Parthenope, o diretor e roteirista italiano Paolo Sorrentino (de A Grande Beleza, A Mão de Deus e A Juventude) acessa facilmente minhas emoções com a sua poesia cinematográfica. Seus filmes são um convite a renunciar o tempo contemporâneo agitado, em favor de uma experiência de contemplação em que o tempo parece estar suspenso. E, a partir da epopeia da personagem-título, uma mulher de beleza e sabedoria inigualáveis, Sorrentino pôde materializar o debate sobre contemplação erótica que Laura Mulvey tinha discutido no ensaio Prazer Visual e Cinema Narrativo.

Parthenope resgata o tema da obra do autor sobre beleza, juventude e nostalgia, em que a personagem interpretada por Celeste Dalla Porta manifesta-se como uma autêntica sereia, com o poder de encantar as pessoas ao redor à sua vontade pela sua beleza inigualável. Contudo, Parthenope não vislumbra a beleza como um dom, mas como um obstáculo que a impede de acessar a humanidade daqueles ao redor – o que até explica a anunciada impossibilidade de “ser feliz no lugar mais lindo do mundo”, a região de Nápoles, que é central à obra do diretor.

A beleza da personagem-título, comparada com a Virgem Maria e Sofia Loren, é tal que inspira a tragédia de seu irmão, que, incapaz de possuí-la sexualmente, sacrifica-se ao mar, onde habitam as sereias. As portas abertas pela beleza, a qual está escondida atrás de véus, não são aquelas que a acadêmica de antropologia deseja acessar, e a insistência para que persiga a carreira de atriz de cinema representa até mesmo uma ironia dramática não desvendada pelo diretor. Pois, se a antropologia é a ciência do olhar, que enxerga a alma da beleza, não o rosto dela, então a artista também não deixa de ser uma antropóloga – pois a base da atuação é olhar o próximo e a si mesmo. 

Parthenope é sempre mais bonito quando reconhece a ambiguidade de um mundo que não muda, em que o desejo é a variável do mistério; mas o sexo, a morte ou a fraude. A beleza da personagem-título é incomparável, embora o que haja de mais belo nela seja o seu saber e a sua melancolia. “O que você está pensando?”, é a pergunta que escuta com relativa frequência de homens sedentos por respostas. É esta incapacidade de aceitar os mistérios pelo que são que arruinou os deuses de outrora, pois os homens, ansiosos em compreender todos os milagres, arruinaram a beleza do mistério – as efígies já estão deterioradas ao redor deste “Olimpo” onde Parthenope encara o mar.

Na maioria das vezes, o mistério tem uma resposta simples, pois “um professor só precisa estar uma aula à frente de seu aluno”. O que é belo, e isto Paolo Sorrentino sabe bem, é o poder que a imagem tem de provocar o desejo de olhar, pelo tempo necessário para que o olhar capture a alma do que olha. O tempo, tão importante ao filme, é evidenciado na quantidade de relógios (barulhentos) na casa de Flora ou até no fato de que Parthenope torna-se, simbolicamente, um relógio de sol quando deita sob as estrelas e ergue a mão para cima.

A personagem-título incorpora o tempo dentro de uma jornada através do tempo. E, por ser ambígua, é sagrada e profana ao mesmo tempo, é fonte de desejo e sexo, é razão e emoção. Paolo Sorrentino sustenta a poesia da imagem o tempo necessário e, através da trilha sonora e do aproveitamento dos elementos da direção de arte – o cinema dele é sempre rico -, convida o espectador a encarar desinibidamente. Ainda que possa ter resistência com a segunda hora, que enfeia talvez para embelezar por comparação, considero Parthenope um trabalho belamente irregular e apaixonante.

Humano, acima de tudo, ainda que trate de uma “divindade” escolhida como tal por sua beleza.

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes

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