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Dois Papas

Dois Papas

125 minutos

Depois de um extenso hiato longe do comando de filmes, o último sendo “360” (de 2011), o nosso diretor indicado ao Oscar Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”, “Ensaio sobre a Cegueira”, “O Jardineiro Fiel”) retorna ao ofício com esta comédia inspirada em eventos reais que relata o embate de ideias entre o conservador Joseph Ratzinger, o Papa Bento VXI, e o reformista Jorge Bergoglio, o Papa Francisco I, que acreditava que a Igreja havia congelado no tempo enquanto o mundo progredia ao seu lado. É o tema desde “Dois Papas”, que tem o roteiro do também indicado ao Oscar Anthony McCarten (“A Teoria de Tudo” e “O Destino de uma Nação”).

É por esta razão que você não deve esperar um conflito central intenso e questionador, mas somente uma abordagem rasa, ainda que agradável e bem humorada. A trama tem seu início em 2005, na reunião do Colégio dos Cardeais para a escolha do pontífice que substituiria o carismático e criticado João Paulo II. E Fernando Meirelles está interessado em ilustrar, até onde pode, o Conclave, que nada mais é do que a eleição do chefe da Igreja católica, procedimento este que resultou na eleição de Ratzinger. Anos depois, em 2012, o descontente Jorge Bergoglio viaja ao Vaticano para requerer sua aposentadoria diretamente ao Papa – com quem não tem uma relação estreita – e retornar a ser um pároco, e descobre que, na realidade, não só será desatendido como também surpreendido pelo desejo daquele de renunciar.

A narrativa é estruturada, exclusivamente, em torno do embate de ideias entre homens chamados santos que não possuíam afinidade em absolutamente nada. Por este motivo, por ser movida por diálogos em vez de ações, exige um roteiro que oportunize aos intérpretes um conteúdo sobre o qual possa cravar os dentes. Não é bem isto o que acontece, já que, no espaço de dias em que ocorre a visita ao Vaticano, ambos conversam sobre inúmeras coisas e isto impede, óbvio, um aprofundamento maior. Do ordinário, como a paixão de Bergoglio pelo San Lorenzo, ao indispensável, como a covardia da Igreja em não evoluir diante da análise de temas espinhosos (aborto, casamento homoafetivo etc), os dois simbolizam avatares de posições políticas que hoje são claras no mundo: conservadores e progressistas. A parte boa nisto: diferente de quem esbraveja ódio e constrói narrativas em torno de suas notícias mentirosas, a sadia conversação é respeitosa como deveria ser a nossa com aqueles que veem o mundo diferentemente.

Contudo, interessada também em abordar a formação e vida pessoal de Bergoglio – mas não de Ratzinger -, a narrativa danifica sua estrutura semi-teatral ao apelar a flashbacks que viajam à Argentina, revelam momentos criticáveis do Papa ao colaborar com a Ditadura Militar – ainda que tenha sido por uma causa nobre, salvar a vida dos jesuítas, agiu de modo covarde – mas quebram o ritmo que demora a ser reencontrado no tempo presente. A propósito, com tantas idas e vindas no tempo que mais parecem apêndices, mesmo um hábil diretor como Meirelles tem imensa dificuldade em conciliar, visualmente, a linguagem, ora recorrendo ao preto e branco, ora ao colorido granulado, ora ao alvo e iluminado presente.

Agora, sim, do ponto de vista do humor simpático, a narrativa é irrepreensível, desde que Bergoglio tenta adquirir uma passagem aérea por telefone e não consegue. A forma com que a trama retrata-o como um homem popular e simples envolve, dentre tantos momentos, a popular canção Dancing Queen do ABBA, o fato de ser ele quem carrega suas malas e viaje no banco dianteiro do carro, contrariando as formalidades estabelecidas ao cargo, ou o costume de contar piadas depreciativas argentinas. Mesmo Ratzinger tem momentos de saudável irreverência, como ao revelar qual a sinopse do programa de televisão a que mais assiste – “pastor alemão resolve crimes e se mete em muitas confusões” – ou ao rememorar que a renúncia do pontificado não é inédita – “isto já ocorreu em 1294”.

Contudo, são Jonathan Pryce e Anthony Hopkins que recompensam nosso investimento emocional. Se este se revela com o antipático distanciamento a que estávamos habituados durante seu pontificado, encarnada por tiques e maneirismos característicos do ex-Hannibal Lecter, aquele está em uma de suas melhores composições, instigando o desejo de estar em sua companhia por sua sabedoria e, mais importante, facilidade de comunicá-la. E Meirelles sabe que está diante de atuações grandiosas, a ponto de abusar de primeiríssimos que, limitados a enquadrar seu semblante, ciente de que não precisamos de distrações senão conferir suas performances. Com seus símbolos intrigantes, como a cortina que, se parece as asas de um anjo detrás de Bergoglio, é tratada como um estorvo por Ratzinger, e ideias complexas manifestadas em diálogos simples e eficazes – “bancos imploram por desregulação como tigres para sair de suas jaulas” -, “Dois Papas” é agradável e interessante, embora reprise a mesma covardia por que seu protagonista se penitencia, na forma casual com que emudece o problema mais importante enfrentado pela Igreja Católica.

Crítica publicada durante a cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

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