Escrito por Katherine Fugate, cujo mérito é condensar quase todos os clichês vistos no ano nas oito histórias, Noite de Ano Novo recorre a momentos descartáveis, alguns ofensivos e raros agradáveis, estes exclusivamente em função dos intérpretes, em uma compilação facilmente esquecível igual a uma noite de reveillon. Consequentemente, a antologia é mais uma vez questão de brilho e euforia, e da capacidade do espectador de identificar quem é quem, do que um esforço genuíno de contar boas histórias, o que Richard Curtis fez maravilhosamente bem em Simplesmente Amor. Falta-lhe a beleza que a deslumbrante cidade de Nova York parece infundir na narrativa e a magia que bons e carismáticos intérpretes geralmente trazem aos mais banais papéis. Sobram beijos, surpresas, a Times Square iluminada e sedutora e rostos conhecidos, permanecem o lugar-comum e os desfechos previsíveis, pouco inspirados e emocionantes.
Do relevante ao desprezível, elaborar um panorama geral de Noite de Ano Novo é um esforço árduo porque muitas das histórias se cruzam, apesar de os letreiros auxiliarem nesta tarefa. Nesse sentido, Stan (De Niro) é um paciente de câncer terminal, com pouquíssimas horas de vida, cujo único desejo é ir à cobertura do hospital e assistir a contagem regressiva e a desceda do grande globo luminoso nas ruas da Times Square. Interpretado com sensibilidade pelo durão De Niro, a história reserva uma boa surpresa, enfatizando no despreendimento emocional a sua mensagem de ano novo. Apesar disto, há um pecado monumental de casting: a escolha do oncologista Cary Elwes, pois para quem não lembra, ele foi aquele a diagnosticar Jigsaw de sua doença terminal em Jogos Mortais, e vê-lo trajando a bata de médico é desconfortável, além de uma péssima piada.
Outra história bonitinha é a da secretaria Ingrid (Pfeiffer), que viu sua vida escapar pelos seus dedos ao longo dos anos presa em um trabalho que não gosta, incapaz de fazer as coisas que ama. Na véspera do ano novo, ela se demite e esbarra em Paul (Efron, estranhamente rechonchudo), um office boy que a auxilia a realizar os desejos presentes na sua lista de promessas do ano novo em troca de convites para um descolado baile de máscaras. Embora insista em retratar Ingrid como uma bobona logo na sua primeira cena ao revelar que não sabe atravessar as ruas de Nova York, Pfeiffer captura o público na inocência disfarçada de amargura da protagonista. Efron, por sua vez, é naturalmente carismático e espirituoso, mesmo quando o roteiro exija que ele praticamente grite a plenos pulmões que Ingrid é patética, apenas para criar um conflito bobo e idiota entre os dois, resolvido de forma igualmente infantil.
Enquanto isso, a disputa envolvendo os Byrne (Meyers e Biel) e os Schwab (Paulson e Schweiger), para quem vai ter o primeiro filho no novo ano em uma maternidade e receber o prêmio de 25 mil dólares é divertidinha, tem algumas sacadas engraçadas, como os esforços de identificar alimentos que induzem o nascimento ou a posição contrária de Biel no ioga, mas é ultimamente absurda demais. Por sua vez, a pressão sobre os ombros de Claire (Swank), na organização do ano novo na Times Square, é eficiente enquanto a atriz não é retratada como uma idiota, que não consegue subir as escadas externas sem ser carregada, ou nos breves momentos do divertidíssimo Hector Elizondo.
Mas, eis que chegamos no terreno espinhoso de Noite de Ano Novo: o desagradavelmente clichê. A começar por Sam (Duhamel), solteirão e galinha incorrigível que, ao longo de um dia, sofre uma mudança plena no amadurecimento tardio do personagem, a bordo da van da família de um pastor que acabou de celebrar o casamento de seu melhor amigo. Ou, o romance de Laura (Heigl), a organizadora do buffet do show da virada, e o cantor Jensen (Bon Jovi), que após ser abandonada e dar dois tapas na cara do astro de rock, estabelecem uma trégua culminando na reconciliação ao som de uma de suas músicas. Por sua vez, Randy (Kutcher) é o Grinch do ano novo, odiando os subtítulos mais belos e inocentes da comemoração, até que conhece Elise (Michele), presa no mesmo elevador. Finalmente, a pequena miss Sunshine se transformou na aborrecente Hailey (Breslin), cujo único desejo é o beijo à meia noite de um dos garotos do seu colégio. Sua mãe Kim (Parker), tem outros planos que não envolvem deixá-la a sós na noite de ano novo. Nem mesmo a desilusão e a reconciliação com a mãe são suficientes para que a irritante Hailey prescinda dos seus amigos e seu paquera em prol da comunhão familiar.
Estufando a narrativa de product placement, existe um em cada esquina da Times Square, Garry Marshall também procura inserir referências por mais inúteis e banais que elas pareçam. O desejo de Ingrid de conservar o grampeador lembra como Como Enlouquecer seu Chefe, enquanto as mãos de Aimee (Berry, e se apenas falei dela agora, você pode inferir o porquê) na tela do computador, lembram a despedida de Liv Tyler em Armageddon. Finalmente, a presença do Sr. Buellerton presta um deserviço gigantesco à memória de Curtindo a Vida Adoidado, especialmente porque é Matthew Broderick, que deveria prezar por seu personagem mais famoso, quem interpreta o intansigente executivo.
Manipulativo e sentimentalista demais, quando deveria buscar a sinceridade na comemoração das boas festas, Noite de Ano Novo é o que sugere a sua constelação de astros: uma noite límpada, sem grandes surpresas, conflitos ou emoções, ou seja, mini-comédias românticas clichês e enlatadas. Adivinha quem sorri no final das contas? Elementar, meu caro Watson.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Noite de Ano Novo”
Você destacou bem o problema do caso de Pfeiffer e Efron, na questão de chamá-la de patética em voz alta. Acho que, por isso, nem ele se salva. É apenas promissor. As formas que Paul encontra pra resolver os desejos de Ingrid também acho meio forçadas, como se a lista tivesse sido criada com a intenção de ser resolvida de formas não-literais. Mas isso, eu simplesmente ignorei.
Enfim, a participação que possivelmente mais me incomodou foi do Ludacris. Ele é definitivamente um zero à esquerda. Haja visto que a resolução para a história dele é o aparecimento de sua família (!!!)
Abraços