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Os Fantasmas Contra-Atacam

Os Fantasmas Contra-Atacam (Scrooged, Estados Unidos, 1988). Direção: Richard Donner. Roteiro: Mitch Glazer, Michael O’Donoghue. Elenco: Bill Murray, Karen Allen, John Forsythe, John Glover, Bobcat Goldthwait, David Johansen, Carol Kane, Alfred Woodard. Duração: 101 minutos.
Frank Cross ama o Natal, principalmente graças ao inverno frio que obriga as pessoas a ficarem em casa, debaixo dos cobertores de suas camas assistindo a Televisão. Preferencialmente se sintonizado no canal da IBC, a rede onde Frank é o presidente, nos programas da grade natalina como o thriller de ação A noite que a rena morreu – no qual mercenários invadem o pólo norte para matar Papai Noel – ou a versão ao vivo de Um conto de natal de Charles Dickens. Ignorando a importância da história de arrependimento e redenção do avarento e solitário Ebenezer Scrooge, Frank não hesita em divulgar a obrigatória obra de Dickens inspirando-se no cinema de ação oitentista, com terrorismo e mortes, inclusive provocando o infarto cardíaco de uma senhora idosa, o que, eventualmente se transforma em mais publicidade para o sujeito. Apesar de conceitualmente distinto de Scrooge, que odiava o Natal, Frank é um sujeito frio, egocêntrico e insensível, perfeito para ser visitado pelos fantasmas dos natais passado, presente e futuro nessa deliciosa comédia Os Fantasmas Contra-Atacam.

Capturando a sutileza do título original (Scrooged, genericamente traduzida para português na esteira do sucesso de Os Caça-Fantasmas, de 84), o metalinguístico roteiro de Mitch Glazer e Michael O’Donoghue concebe a previsível trajetória de Frank simultaneamente aos ensaios de O Conto de Natal para a IBC. Dessa maneira, os roteiristas estabelecem o universo diegético realista para a visita dos três fantasmas, o que permite que Frank determine antecipadamente como poderia se dar a sua redenção, algo que Ebenezer Scrooge não sabia originalmente. Logo, diferentemente deste que era apenas um velho avarento cego às pessoas ao seu lado, Frank é mais tridimensional, preso no amargo pesadelo de sua egoísta existência e na falta de vontade de mudar. Neste contexto, o inesperado cede espaço para a auto-determinação, similar à distinção do homem inteligente – o que aprende com seus erros – do sábio – que aprende com os erros dos outros. Apenas esta leitura seria suficiente para que Os Fantasmas Contra-Atacam fosse imperdível.
Porém, Os Fantasmas Contra-Atacam torna-se obrigatório por uma única razão: Bill Murray (qualquer lista dos melhores comediantes norte-americanos TEM que incluí-lo sob pena de descarte imediato). Em um casting inspiradíssimo, o eterno caça-fantasmas Peter Venkman é perseguido por onipresentes fantasmas, fragilizado diante das memórias de um triste passado e de um futuro sem esperança. Portanto, embora Frank seja um babaca, demitindo Eliot (Goldthwait) no Natal, exigindo horas extras da secretária Grace (Woodard) ou tomando o táxi de uma velhinha, o espectador confia na recuperação e redenção daquele sujeito e nos ideais da bondade e caridade pregados pelo cadáver do antigo dona da firma, culminando inexoravelmente em um romance, no caso, o amor antigo por Claire (Allen, ótima e apaixonante).
Apostando em uma composição deliciosamente exagerada provenientes das investidas fantasmagóricas, Bill Murray defende-se ao bom estilo bang bang de um cadáver ambulante ou tem reações histéricas e alucinações durante um almoço de negócios. Mestre em expor inúmeras emoções apenas com sutis movimentos faciais, Murray vende a sua retórica de trabalhar até tarde com a secretaria de uma maneira tão estapafúrdia que é impossível não se seduzir (exceto, evidentemente, Grace). Adicionando a sensibilidade necessária ao seu personagem, misturada a uma pontinha invisível de rancor e frustração, é interessante acompanhar a evolução de Frank ao longo dos anos. Dos primeiros momentos na única residência suburbana da rua não iluminada por luzes de Natal, à paixão à primeira vista com Claire e a separação súbita do casal (uma falha do roteiro), a viagem de táxi pelo passado de Frank encontra o anteparo emocional necessário para o desenvolvimento de um executivo frio e sarcástico.
Pontualmente modificando a obra de Dickens – o carinhoso sobrinho é substituído por James (John Murray), irmão de Frank -, aos fantasmas do passado e do presente não é atribuído significado além do finalismo de sua tarefa. Ao invés de vinculados à vida de Frank de alguma forma, o taxista e a fada são artifícios do roteiro de reduzida importância, privilegiando sim as desventuras daqueles afetados diretamente pelas consequências dos atos de Frank (as desventuras alcóolicas de Eliot, a atribulada ceia de Grace com seu filho que perdeu a voz).
Dirigido por Richard Donner (Superhomem, Máquina Mortífera, Os Goonies) as tramas paralelas serão a seu tempo corrigidas por Frank, embora o instrumento que tenha sido escolhido para fazê-lo no clímax seja de uma cafonice e moralismo excruciantes. A mensagem, imprescindível, parece afetar mesmo a composição de um seguro Murray que exagera nos perdões e desculpas em cadeia nacional. Por outro lado, o momento em que o fantasma do natal futuro surge pela primeira vez é composto com requintes de genialidade. Nascendo dos monitores de televisão atrás de Frank, o ateste da influência nociva daquele meio na vida dele, a dimensão assustadora do fantasma combinado à posição de Frank no canto mais fraco da cena e o desconhecimento daquela presença permite a elaboração da melhor cena do longa e a comprovação do talento, as vezes pouco reconhecido, de Richard Donner.
A ótima trilha sonora de Danny Elfman, a maquiagem indicada ao Oscar de Tom Burman, os elementos metalinguísticos e a atuação perfeita de Bill Murray são alguns dos motivos porque esta comédia permanece insuperável na noite de Natal. Afinal de contas, reproduzir Um Conto de Natal não é difícil; fazê-lo com originalidade e carisma, sim!

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4 comentários em “Os Fantasmas Contra-Atacam”

  1. Belo texto. Morro de vontade de ver esse filme há séculos. Por ser do mito Bill Murray. Um dos melhores atores cômicos de Hollywood, uma verdadeira lenda viva. E adoro filmes natalinos – quando bem feitos e sem pieguice!

    Percebi que está fazendo um especial de Natal, certo? Se sim, queria fazer um pedido: A Felicidade Não Se Compra. Eu ia fazer a crítica, mas estou cansado demais pra isso. http://www.lumi7.com.br/2011/12/um-close-up-na-setima-arte-taxi-driver.html

  2. Márcio, parabéns pelo texto! Assim que chegar em casa, irei compartilhá-lo no meu Twitter. Adoro esse filme e inclusive é uma de minhas raridades, pois coleciono Dvd's/Blu-Rays. Um Abraço! Felipe Nicéas – Recife/PE.

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