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Crítica | Esta é a Sua Morte – O Show

Esta é a Sua Morte - O Show

104 minutos

“Quero um programa para ensinar a pessoa a viver”, sublinha o apresentador Adam Rogers, dias depois de, no seu antigo reality show, um em que mulheres disputavam para casar com um milionário, a participante derrotada sacar um revólver, disparar contra o pretendente e cometer suicídio ao vivo. Transformado por esta tragédia em um misto de Howard Beale (de Rede de Intrigas) e Pedro Bial e após ter uma epifania cinematográfica em forma de corrida (!), Adam (Duhamel), auxiliado pela produtora Sylvia (Fitzgerald) e a cabeça da emissora Ilana (Janssen), desenvolve um programa de televisão com o desejo de provocar um choque de realidade no espectador e, ultimamente, despertar a empatia pelo próximo. O espetáculo? Participantes tirarem a própria vida em cadeia nacional. Apesar da premissa absurda (será mesmo?), sua missão é a de discutir aspectos maiores sobre a humanidade.

É natural recordar o caso da âncora de jornal Christine Chubbuck que, em 15 de julho de 1974, suicidou-se e movimentou a busca por explicações e também pela fita de vídeo que registrou esta tragédia, hoje na posse de uma firma de advocacia. O impulso de assistir à gravação é humano, similar ao de passar de carro ao lado de uma tragédia com mortos e, incomodado com a visão, ainda assim ser incapaz de desviar o olhar. Se pensarmos melhor, a hipótese discutida no roteiro de Noah Pink e Kenny Yakel ainda é mais ampla e aguda, já que a morte é vista como mero entretenimento, e o grito de socorro manifestado naquele ato extremo acaba sufocado por aplausos indiferentes do público, mais aliviado em aproveitar o show porque sabe que haverá uma compensação financeira para os familiares sobreviventes (“Ajudou a filha”, justifica-se Adam, para o que Sylvia responde com ar crítico: “Matando-se!”).

Dá para observar que o argumento de Esta é a Sua Morte – O Show não é simples de ser desenvolvido e exige mais do que a dupla de roteiristas e o diretor e ator Giancarlo Esposito podem oferecer. Muito se deve à estrutura da narrativa, que, afora dedicar-se à ascensão meteórica do show na audiência e às críticas esperadas, ainda narra os obstáculos familiares de Mason (Esposito) provocado por sua condição econômica. Depois de ser demitido de um cargo que ocupava há 30 anos, Mason espreme-se entre dois empregos para sustentar os filhos (um deles deficiente físico) e honrar suas obrigações (dentre elas, a temida hipoteca). Seu panorama reflete o sentimento norte-americano pós-crise de 2008, e repare que, nestas circunstâncias, Mason está até inclinado a abdicar do plano de saúde contanto que isso permita a manutenção de seu emprego precário (terceirização, oi?). Dividido, Esposito nem se aprofunda nas implicações éticas, morais e humanas do reality show, nem debate melhor as causas que ensejam o suicídio, optando por aquela mais simplória para servir de âncora da discussão (sobretudo se considerarmos o desabafo do filho pré-adolescente de Mason, o fundo do poço do roteiro).

Afora não acrescentar à premissa, a subtrama encabeçada por Mason subtrai tempo valioso que deveria ser investido no relacionamento entre Adam e sua irmã, Karina (Callies), uma enfermeira ex-viciada em medicamentos. Mesmo que a custo de atropelos do roteiro e de clichês, a ironia dramática introduzida pela narrativa sugere que haveria maior rentabilidade em investir emocionalmente em Karina do que em Mason, e que isto não acontece somente pode ser creditada na conta da vaidade de seu diretor, dado até mesmo a um desfecho falso.

Esposito também não compreende que, por escancarar, sem maior criticismo, as mortes ao estilo Faces da Morte (com direito à banheira de ácido, flecha disparada e até um típico seppuku), aproxima-se, perigosamente, do sensacionalismo mal-trajado de transparência de Adam Rogers, com a diferença de que o espectador não pode desligar a televisão (não sem que isto lhe custe o preço caro do ingresso). Como citei o apresentador, é curioso que Josh Duhamel apareça sempre em figurinos formais, com destaque a gravatas e lenços de tons marcantes (vermelho, roxo e preto, cores afetas à violência e à morte), fugindo desta lógica na oportunidade em que é pego desprevenido por sua irmã, a personagem mais interessante da narrativa em função da interpretação sóbria e frágil de Sarah Wayne Callies. Diferentes, Famke Janssen e Caitlin Fitzgerald estão apenas apáticas, ao passo que Josh Duhamel mostra-se eficiente em crer no próprio peixe que alardeia, embora determinadas condutas do personagem padeçam de inverossimilhança (sobretudo, a por que é responsabilizado).

Com sua narrativa típica de telefilmes (na época em que isto era algo pejorativo), Esta é a Sua Morte – O Show evidencia em letras capitais o que a maioria já sabia mas nunca fez muito a respeito: a empatia apenas existe quando não há graus de separação entre o espectador e a vítima. Em resumo, estranhos são uma forma de entretenimento; enquanto conhecidos, estes importam em sofrimento. Apenas não sei se precisávamos de um suspense superficial para reafirmar isto.


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