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Vingadores: Ultimato

Vingadores: Ultimato

182 minutos

O Fim de uma Era, crítica sem Spoilers

O 22º filme do Universo Cinematográfico Marvel, o desfecho da saga mais ambiciosa e longeva da história do cinema, tem a tarefa gigantesca de amarrar uma trajetória decenal, os arcos de duas dezenas de personagens e proporcionar uma conclusão satisfatória à cruzada dos heróis mais fortes da Terra contra seu adversário Thanos, que é também o melhor vilão / antagonista já construído pela Marvel Studios. Sua missão está cumprida, e a sensação que isto provoca é um complexo emaranhado de sentimentos, que compreendem jubilo, tristeza, excitação e melancolia em escalas proporcionais a este colosso engenhosamente idealizado pelo produtor Kevin Feige.

Sem entrar em muitos detalhes, a trama escrita por Christopher Markus e Stephen McFeely (os roteiristas de Vingadores: Guerra Infinita, Capitão América: Guerra Civil, Capitão América 2: O Soldado Invernal, Thor: O Mundo Sombrio, Capitão América: O Primeiro Vingador e, ufa, a trilogia As Crônicas de Nárnia) reencontra uma Terra arrasada depois do estalar de dedos de Thanos. Passaram-se 23 dias desde então, período que parece ter durado uma eternidade para o Capitão América e os demais heróis, sem que estes assimilassem a derrota e encontrassem uma solução para desfazer o mal concretizado. Até que uma fagulha de esperança chega do céu. (Juro que parei!).

Com 3 horas e 2 minutos, incluídos os créditos finais, a narrativa dirigida por Anthony e Joe Russo, em sua quarta colaboração com a Marvel Studios, aposta num recurso intrincado e perigoso em torno do qual é também estruturada uma homenagem eficiente ao UCM. Os resultados são mais positivos do que o contrário: se existem lacunas e paradoxos facilmente perceptíveis, tornando difícil pensar na trama em retrospecto sem encontrar falhas, há mais oportunidades para que os personagens-centrais, os seis da formação original, re-descubram significados inéditos para seu heroísmo e concluam os arcos dramáticos iniciados quando o UCM era somente uma ideia. Junto a isto, todo um rodízio de fan service aos aficionados, que longe de ser gratuito somente pelo prazer imediato que proporciona, funciona a serviço da trama e respeita as regras estabelecidas, alcançando o equilíbrio raro e sutil que agrada fãs e cinéfilos, ou gregos e troianos.

Os irmãos Russo também são inteligentes em contar, visualmente, sua história, conferindo uma identidade inconfundível a cada porção da narrativa. Repare como, no terço inicial, as consequências do apocalipse de Thanos são percebidas na maneira como entendemos o som (é possível escutar a natureza em meio aos diálogos cadenciados e pesarosos dos heróis), ao passo que a fotografia cobre a narrativa com uma película azulada e melancólica e o design de produção preenche o cenário distópico. São elementos que relatam toda a proporção dos eventos, mesmo que a narrativa pouco saía da caixinha dos super-heróis a fim de visitar o ser humano médio.

A narrativa também não abdica da marca registrada da Marvel Studios desde que Robert Downey Jr. idealizou a armadura do Homem de Ferro: o senso de humor como instrumento para atenuar a tensão narrativa. Em seus melhores momentos, os irmãos Russo dosam bem a urgência própria da trama com a irreverência do universo fantástico dos super-heróis da Marvel (com referências certeiras, como a menção a O Grande Lebowsky), escorregando pontualmente em gags inconvenientes (a mais óbvia de que me recordo e não é um spoiler é a palavra Salgadinhos!… vocês deverão recapitular). E embora certx personagem acabe desempenhando a função mais ingrata que o teatro exportou ao cinema, o deus ex machina ou aquele deus que saía da máquina para resolver todas as pontas deixadas soltas, é gostoso de enxergar a bofetada desferida na cara dos machistas em uma cena que, ainda que dure segundos, é importantíssima em sua representatividade.

Contudo, o que Vingadores: Ultimato tem de mais impactante é resultado da maior virtude da Marvel Studios: a forma como conhece e entende seus heróis e pôde adaptá-los a uma linguagem narrativa diversa da dos quadrinhos, escalando intérpretes que caíram como luva nos papéis (menos o Edward Norton). E por esses anos, a crítica, eu incluído, reconheceu essa qualidade, enquanto se queixou de narrativas que não ofereciam riscos à sobrevivência dos heróis, apresentavam vilões mal construídos e identidades audiovisuais nada marcantes (afora a trilha sonora de Vingadores, você consegue cantarolar outra?), porém tudo isto está superado aqui. Os eventos exibidos posam ameaças contrárias a quem admiramos, elevando o nível de empolgação e tensão a níveis acachapantes no terceiro ato, afora proporcionarem ainda uma releitura de Thanos que o torna mais intrigante do que já visto antes, valendo o brocado: toda produção de super-heróis é tão boa quanto é seu super-vilão.

Ao final, como são os heróis que em verdade importam, seus intérpretes não decepcionam. Talentosos e imersos nos respectivos personagens, Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Jeremy Renner, Chris Evans, Mark Ruffalo e Chris Hemsworth (ranqueados em ordem de preferência) revelam nuances desconhecidas, auxiliam o desenvolvimento de coadjuvantes e conduzem, sem solavancos, a narrativa a sua apoteose, em que, depois de 15 e tantos anos desde que parei de ler quadrinhos (não sei por quê!) eu voltei a me enxergar como um fã. Todo bobo e maravilhado com um exemplo do que o blockbuster de entretenimento melhor já produziu, em um adeus poético com sabor de desfecho e também recomeço.

Um Olhar Quântico, crítica com Spoilers

Se vocês puderam perceber, sublinhei palavras na crítica acima que servem de ganchos para a leitura de agora.

Como havia sido comentado na internet, Ultimato precisaria do aporte científico da viagem no tempo a partir do mundo quântico do Homem-Formiga. Não no formato conhecido da ficção-científica, porém com regras próprias e a todo instante didaticamente explicadas por Bruce Banner ou Tony Stark. Em linhas gerais, depois de darem com a cara na água onde Thanos se refugiou, o último plano dos Vingadores envolve coletar as jóias do infinito no tempo passado – permitindo, assim, visitar filmes anteriores do UCM e pontuar dramas pessoais dos heróis – e trazê-las ao tempo futuro, montando uma manopla do infinito ad hoc – cuja construção entra naquela explicação de licença dramática – capaz de a) reverter toda a poeirada deixada em Guerra Infinita e b) não alterar a linha do tempo no presente, 5 anos após o incidente.

Não é fácil entrar de cabeça nesse tipo de trama sem tropeçar em buracos casualmente deixados no meio do caminho.

Na prática, o adversário dos Vingadores em Ultimato não é o mesmo Thanos que empurrou Gamora do penhasco para coletar a jóia da alma – este dá adeus nos minutos iniciais -, mas o Thanos de 2014, aquele que enviara Ronan, o Acusador, contra os Guardiões da Galáxia, e que usou o mesmo túnel quântico para ir ao presente, em 2024 (a data não é precisa). Sua morte, portanto, provoca um daqueles paradoxos invencíveis. Reflita: se o Thanos de 2014 virou pó ao final de Ultimato, quem arquitetaria parte das ameaças contra os heróis então?

Pois é, ninguém, o que fere a consistência do UCM como um todo (embora duvide que isto vá se refletir nas produções futuras).

E já que mencionei o Titã Louco, a releitura feita na narrativa mostra o lado mais assassino do tirano. Sem percorrer os eventos emocionais que o Thanos de Guerra Infinita passou, o de 2014 é alguém ainda mais perverso e poderoso, apto a enfrentar, em pé de igualdade e sem a ajuda das jóias, Thor, Capitão América e Homem de Ferro ao mesmo tempo.

A propósito, o artifício da viagem quântica no tempo permite que personagens queridos tenham uma sobrevida em filmes futuros (Loki e Gamora, em versões alteradas de si próprios) e simultaneamente joga uma pá de cal sobre outros (Visão e Viúva Negra). Sim, sabemos dos planos da minissérie WandaVision e do filme-solo da Viúva Negra, mas como estes irão se encaixar no UCM, os meros mortais ainda não sabem. Será se quando Capitão América devolveu a jóia da alma em Vormir, aconteceu algo a respeito? (Cri-cri).

Outro ponto que trouxe na crítica é a presença de fan service, aqui na forma das viagens no tempo, que possibilitam o reencontro de Thor e sua mãe ou Tony e seu pai e reforçam, por exemplo, a razão de a Anciã de Tilda Swinton ter certeza de que Stephen Strange era seu sucessor apesar de tudo advogar contra essa decisão. O fan service age, aqui, em favor da saga porque apoiado em aspectos já visitados (não é aleatório que o Capitão América erga o martelo do Thor) e em arcos dos quadrinhos que não interferem no universo construído (ouvir o Capitão América falar Hail, Hydra! remete à série em que ele se revela um agente infiltrado na SHIELD).

Também é relevante pontuar como os personagens-centrais descobrem nuances desconhecidas, como Tony Stark pai, Steve Rogers encabeçando um grupo de auto-ajuda, Clint Barton como um assassino incapaz de preencher o vazio pelo adeus de sua família etc, e como servem de trampolim para que os coadjuvantes deste filme respeitem o cânone dos quadrinhos. Desta forma, por mais que não tenhamos testemunhado a morte do tio Ben (felizmente), nós pudemos sentir o mesmo efeito, aos olhos de Peter Parker, com a de Tony Stark. E o que dizer da presença de Ty Simpkins, que interpretava o garotinho Harley em Homem de Ferro 3, no funeral de seu tutor?

São por aspectos como esse, cuidadosamente inseridos, que o UCM, apesar de equívocos que o pensamento crítico não deixa passar, emocionou e fascinou a nós todos e viverá para sempre nos anais da história do cinema.

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4 comentários em “Vingadores: Ultimato”

  1. Márcio, tudo bem?
    Não acho que exista paradoxo em relação ao Thanos de 2014 virar poeira. Os acontecimentos na linha do tempo que acompanhamos no MCU não dependem do que acontece em outra linha do tempo. Se o Thanos de 2014 morre, o que poderia ser afetada é a linha do tempo dele, em que não mais existiria um Thanos e, portanto, outra história surgiria ali – não haveria Guerra Infinita, não haveria estalo, não haveria os esforços de Ultimato para salvar o universo. Porém, para a história do MCU, isso pouco (ou nada) importa.
    Abraços!

    1. Marcio Sallem
      Marcio Sallem

      Oi Leonardo, como vai?
      Eu concordaria com você se a teoria de viagem no tempo que a narrativa tivesse adotado fosse a de histórias paralelas, mas não me parece ser o caso. Veja: a cena em que o Hulk e a Anciã conversam sobre a joia do tempo é significativa. Ela expressa sua preocupação de que houvesse uma ruptura temporal e aquele período permanecesse desprotegido, para o que ele replica que devolveria as joias no tempo correto assim que as utilizasse em seu futuro. Quando o Cap. América faz isto, ele preserva a unicidade do tempo, lembrando que aquele processo de tirar e levar as joias pode ter durado segundos ou minutos no tempo pretérito. De toda forma, interpretemos como for, o fato é o que o roteiro neste ponto comete o clássico erro dos filmes de ficção-científica que brincam com o tempo: criar paradoxos que não resistem a uma análise em retrospecto.
      Abraços!

  2. Lucas Marinho

    Olá Márcio. Eu concordo com o Leonardo, na verdade a anciã diz que quer preservar a linha temporal dela, pelo o que eu entendi. Quando eles começam a planejar a viagem no tempo, o Hulk explica que não se pode mudar o passado, pois quando você volta ao passado, aquilo é o seu futuro e o seu futuro não pode alterar o passado.

    1. Marcio Sallem
      Marcio Sallem

      Oi Lucas, tudo bom?
      Deixa eu dividir seu comentário em dois: a preocupação da Anciã é em deixar aquele período desguarnecido da joia do tempo, e isto “poderia” (ênfase aqui) provocar uma ruptura no espaço/tempo. A resposta do Hulk é que ele iria devolver, e faz, as joias à época e com isso evitaria esse cenário.
      A segunda parte: quando o Hulk comenta sobre a impossibilidade de modificar o passado, pois este se torna o presente do viajante no tempo, é para definir que é possível desfazer o mal do Thanos e preservar os 5 anos, leia-se, a família do Tony Stark p. ex.
      Conhecendo bem o subgênero de viagem no tempo da ficção-científica, costuma haver duas linhas: a primeira é de que o tempo é um fluxo contínuo e, assim, eventos no passado que podem ser percebidos como alterações por nós na verdade estavam sempre lá. Isto explicaria, p. ex., como Loki fugiu em Vingadores e chegou a Asgard em Thor 2 ou por que a Anciã confia tanto que o Dr. Estranho seria o mais apto a ser o Mago Supremo. A outra linha narrativa é a de universos paralelos, ou seja, eventos que modificassem o passado (perceba que aqui eu afirmo que eles modificaram, e antes eu dizia que eram percebidos como tal) criam caminhos alternativos.
      Por que não me parece ser o caso? Porque seria um tiro no pé da Marvel Studios, que abriria margem para haver Homens de Ferro, Capitães América etc em estoque para repor quando sentisse necessidade e até diminuiria o impacto da narrativa em geral. Pra terminar, repito minha leitura do plano: trazer ao presente as joias do infinito SOMENTE o tempo suficiente para que houvesse um estalar de dedos que anulasse o de Guerra Infinita e então devolvê-las ao MESMO TEMPO quando foram subtraídas. Mas, como alguém já comentou, discutir viagem no tempo é perda de tempo, o certo é aceitá-la como é, até porque não há muito que a fundamente cientificamente até agora.
      Abraços e obrigado pelo comentário!

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