Este suspense uruguaio é objetivo em como permite ser o cenário minimalista idealizado pelo irmãos diretores e roteiristas Bernardo e Rafael Antonaccio: o casal Alicia (Silva) e Bruno (Gordillo) viajou de Montevidéu para relaxar o estresse da capital à beira do lago na companhia dos irmãos Tincho (Beltrán) e Tola (Pazos). Qual o complicador? Tincho, o ex-namorado de Alicia, reacendeu a paixão logo nos tórridos minutos introdutórios.
Com o tempo enxuto – uma tarde -, espaço limitado – um lago – e somente quatro personagens – um deles, alívio cômico -, cabe ao roteiro tornar a situação tão tensa o quanto pode. Não consegue, na maioria das vezes, porque a escalada dos eventos está presa ou a provocação progressiva entre Bruno e Tincho – iniciada quando ‘jogam’ futebol e aquele chuta a bola para longe como o homem mimado que é – ou as tentativas malsucedidas de Alicia em disfarçar a traição – o celular é concebido como objeto não apenas privado, mas terminantemente inacessível até para ligações emergenciais, o que me obriga questionar, retoricamente, a razão de ela não haver apagado as mensagens proibidas ao recebê-las.
É um problema recorrente de ‘filmes de gênero’ iguais a este: a ingenuidade em recorrer aos elementos característicos que o espectador aguarda, ao invés de tentar surpreendê-los ou proporcionar uma construção inteligente e melhor amarrada até chegar ao momento de catarse. A trama até tenta, às vezes, em particular na forma como espalha pistas ao largo da narrativa para colhê-las no terceiro ato: é o caso da pedra em que Tincho tropeça e que terá utilidade adiante ou a discussão a respeito da pesca com anzol e sobre determinado réptil aquático. Estas incursões funcionam porque retribuem o investimento que fizemos naqueles instantes que pareciam triviais à primeira vista… mas não eram.
Desta forma, existe apelo em assistir ao (esperado) descarrilamento rumo à violência de gênero pelo excesso de testosterona e insegurança no ambiente e pela masculinidade tóxica de Bruno, e como isto ajuda a estabelecer uma discussão não inédita, mas tomada de ponto de vista diferenciado. Isso porque, ao revelar a traição de Alicia na cena inicial, a narrativa permite a existência de duas abordagens: a daqueles que (erroneamente) acham justas ofensas, humilhações e agressões cometidas por Bruno somente por este ser um homem traído e a dos demais que (corretamente) entendem que nada que ocorreu exime ou atenua seus atos.
Até porque, se não estivesse feliz ou confortável no relacionamento, que o encerrasse com dignidade. Não que arrastasse aquele grupo ao fundo do poço.
Crítica publicada durante a cobertura da 47ª Festival de Cinema de Gramada
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.