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O Silêncio da Cidade Branca

O Silêncio da Cidade Branca

111 minutos

Thriller espanhol imita os clássicos mais do que constrói sua própria identidade

Tudo se encaixa!”, arremata o detetive Unaí após realizar a descoberta da identidade do Assassino do Sono, mas também poderia ser uma afirmação para que a narrativa convença a si mesma (e o público) de que o roteiro é astuto, quando, na realidade, é somente confuso, enrolado e incoerente. Adaptação da obra espanhola homônima escrita por Eva García Sáenz de Urturi, a primeira de uma trilogia com planos de ser adaptada (oh, Deus), “O Silêncio da Cidade Branca” é o típico thriller policial derivado o quanto pode de clássicos como “Se7en” e “O Silêncio dos Inocentes”, mas sem o mínimo resquício de originalidade e inventividade.

A começar pelos créditos iniciais que, a partir de fotos polaroides e elementos específicos dos crimes, retrata o modus operandi do assassino em série, em uma montagem que não perde a oportunidade de ser estilizada e descolada com flashes e closes ultrapassados. É que, 20 anos depois de assassinatos ritualísticos e brutais chocarem os membros de uma pequena cidade no País Basco da Espanha, a onda de terror recomeça, apesar de o assassino estar encarcerado e a dias de ser libertado. Um imitador é a hipótese mais plausível levantada por Unaí (Rey) e sua supervisora, Alba (Rueda), coincidentemente as únicas vivas almas a correr as ruas da cidade na madrugada para expiar suas angústias. Unaí tem razões para isto, pois esta é a forma de liberar o estresse acumulado após o ‘acidente’ que matou sua esposa. Seu irmão insiste: “Se enterrar no trabalho não vai trazê-la de volta”, um diálogo picareta e expositivo que ouvimos centenas de vezes em filmes parecidos.

Enquanto Unaí investiga as pistas deixadas na cena do crime com auxílio de Estíbaliz (Garrido), também entrevista na prisão Tasio (Brendemühl), o assassino condenado pelos crimes agora imitados, a fim de obter pistas que ajudem a elucidar o crime, aproveitando cada momento para disparar uma frase de efeitos, como “É aqui que sua caçada termina e a minha começa” ou “Não encontraremos impressões digitais. Ele é muito meticuloso”. Não somente Unaí, tanto Tasio quanto seu irmão gêmeo, Ignácio, que o denunciou, têm o hábito de crerem estar dentro de um filme ruim. Só isto explica, por exemplo, que aquele exija a saída de Estíbaliz com a justificativa de “Não gostar de sexo a três”. Contudo, como não julgo livros pela capa, nem tampouco estes por suas adaptações, a culpa está nas mãos dos roteiristas Roger Danès e Alfred Pérez Fargas  (do bom “O Fotógrafo de Mauthausen”).

Se não bastasse abusarem de diálogos clichês, a dupla parece acreditar ser obrigatório inserir todas as informações e revelações existentes no livro, apelando a flashbacks explicativos e a conclusões ditas em voz alta para que o espectador permaneça na mesma página que estão os detetives. Aliás, muitas a frente, pois com cerca de 30 minutos, a narrativa revela a identidade do assassino, restando esclarecer qual a relação entre um senhor que coleciona olhos de vertebrados (Oi?), os irmãos gêmeos, um incêndio, as abelhas e Adão e Eva e ainda por que o assassino é obcecado a ponto de seguir os passos de Unaí, cuja origem do apelido, Kraken, entra no rol de mistérios a serem resolvidos. Beira o inacreditável que, 20 anos depois de os crimes originais terem sido cometidos, apenas agora alguém resolveu buscar, junto a um especialista, as explicações para a origem do ritual macabro encenado; uma passagem mais problemática pela opção narrativa de acompanhá-la com a trilha sonora grandiloquente de Fernando Velázquez.

Poderia permanecer discutindo as decisões desastradas do roteiro adaptado, que introduz aleatoriamente cenas envolvendo a vida particular da detetive Estíbaliz só para sensibilizar o espectador em determinado momento, mas a direção de Daniel Calparsoro também não ajuda a reparar os erros mais crassos. Pelo contrário, investe no lugar-comum: os figurinos de Unaí são pretos ou variações para ilustrar seu luto permanente pela morte da esposa, ao passo que a fotografia de Josu Inchaustegui abusa da superexposição sem nenhuma razão aparente – repare como as luzes no precinto policial, p. ex., extravasam e entram na lente da câmera criando o efeito apelidado de ‘flare’. E se a simbologia da maçã sendo enterrada cria um raro momento de lucidez na lógica da trama, como se o fruto proibido da árvore da sabedoria fosse devolvido de onde não deveria haver sido arrancado, precisamos atravessar uma narrativa de provações até chegarmos aí.

Neste caminho, não faltarão perguntas do tipo: como o assassino era capaz de abduzir e matar suas vítimas e reconstruir o ritual nas localidades escolhidas (as quais a polícia, ciente de seu modus operandi, sequer vigiou), acompanhar os passos de Unaí sem que este percebesse, trabalhar (afinal, precisa manter o disfarce) e ainda passar despercebido por razões que não compartilharei por serem spoilers?

A incapacidade de responder a esta pergunta tão simples sem cair no riso involuntário é minha evidência de que de imitadores de clássicos do gênero, o cinema está cheio.

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2 comentários em “O Silêncio da Cidade Branca”

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