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Depois a Louca Sou Eu

Depois a Louca Sou Eu

86 minutos

A partir da obra autobiográfica escrita por Tati Bernardi, a diretora Júlia Rezende (de “Ponte Aérea” e da série de filmes “Meu Passado Me Condena”) tocou em um nervo dolorido em mim e de muitos de nós: o da ansiedade, este transtorno (não tão) silencioso que angustia, limita e, nos casos mais graves, incapacita para a vida interpessoal e intrapessoal. Fez isto com a história de Dani (Débora Falabella), uma escritora que retira a inspiração dos contos escritos da experiência pessoal e familiar com doenças psíquicas não diagnosticadas nem tratadas adequadamente, o que a obriga a retroceder aos momentos do passado em que o avô se recolheu no quarto (durante uma recaída na depressão, acredito) ou que a mãe manifestou alegria e tristeza em abundante contradição (bipolaridade, talvez).

Enquanto faz isso, Dani tenta rememorar a primeira crise de pânico que enfrentou, para descobrir que a incapacidade em concluir essa tarefa é uma prova de como a ansiedade já é parte de si desde quando era criança. Óbvio, em manifestações mais ingênuas do que aquelas na idade adulta, quando experimenta uma inadequação em demasia nas tentativas de transar com os namorados ou sofre a angústia de viajar para curtir o réveillon na praia. Este hábito de regurgitar o passado, enquanto se esforça, igualmente sem sucesso, em alterar a decisão da mãe de tratá-la com métodos heterodoxos é também um sintoma da ansiedade que forçosamente retira Dani do que vive agora, a fim de empurrá-la ao passado, que não pode modificar, e ao futuro, que está distante para se preocupar.

A soma desses elementos dificulta a tarefa da protagonista de funcionar, em seus termos, “como um adulto sério”, e Débora Falabella humaniza o sofrimento de Dani a partir de uma interpretação que enfatiza o ‘demais’, o advérbio que intensifica sua doença. Até há momentos cômicos, ao menos mais atenuados, não por falta de tato de Débora na composição ou de Júlia Rezende, na abordagem narrativa, mas porque a ansiedade com ênfase no exagero acaba por provocar situações inusitadas e equivocadamente enxergadas para quem está de fora. O descompasso dela em relação a quem está ao seu redor resulta em uma comédia de embaraço, não de risos, e um drama intimista que exige o trabalho do músculo da empatia.

Dani não é igual às amigas que viajam despreocupadamente ao exterior para farrear a despedida de casamento de uma delas, mas quem elabora desculpas mentirosas relacionadas à mãe para fugir de compromissos que podem disparar gatilhos de ansiedade. E já que mencionei a figura materna, interpretada por Yara de Novaes com um equilíbrio invejável de emoções conflitantes, é doloroso mas compreensível ouvir que a felicidade da filha a deixa preocupada, pois entende que esta pode conduzir à baixa de guarda e à frustração. São anseios e dores acessíveis e que promovem um maior envolvimento por se tratarem de padrões de comportamento comuns.

Por outro lado, não há nada muito comum na abordagem visual da narrativa, cuja semelhança com a paleta de cores de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” é chamativa em como contrasta verde e vermelho (as cores preferidas do pintor Juarez Machado). Mas não para aí. Isto porque o diretor de fotografia Pablo Giannini Baião realiza uma forma de cromoterapia narrativa no emprego de outros matizes (azul, amarelo), como modo de exibir o humor fluido e inconstante de Dani. Enquanto isto, os planos diagonais, os closes com lentes angulares que deformam a imagem e o posicionamento da câmera acima da linha de visão de Dani são ferramentas visuais que promovem, respectivamente, o desequilíbrio, a inquietação e a submissão (ou inferiorização) de Dani e auxiliam na narração, pois permitem dispensar as intervenções expositivas da voz sobreposta em troca do poder da imagem.

Nesse mesmo sentido, a montadora Maria Rezende inspirou-se na montagem hip hop de “Réquiem para um Sonho” para ilustrar, de modo visual, as consequências do consumo excessivo de remédios, até este promover a fragmentação de Dani em múltiplas encarnações dela mesma que dialogam entre si. Na realidade, Júlia Rezende acerta na ilustração da ansiedade porque não ignora a essência dramática, em favor do artifício. Mesmo quando insere caixas de bate-papo no celular, não o faz gratuitamente, mas com o cuidado de utilizar linhas não retas e fontes trêmulas desde os créditos iniciais, como a alternativa para ilustrar a instabilidade de Dani.

A jornada de 86 minutos é curtinha, apesar de suficiente para penetrar no interior da cabeça de Dani e enxergar o primeiro passo de uma mudança: o autoconhecimento. Dani não encontrará a cura da ansiedade no fim do arco-íris e não deixará de sentir os sintomas do transtorno; poderá até atenuar ou agravá-lo, mas é o passo determinado rumo ao interior a descoberta que a permite conviver e ser a adulta funcional que tanto deseja e ser feliz o quanto pode na caminhada.

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