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Amor à Flor da Pele

Amor à Flor da Pele

99 min.

Por Alvaro Goulart

“Não seremos como eles”, disse o Sr. Chow.

E é sob esse pacto que o verbo amar seria encarcerado na narrativa. Será que abrir mão da própria felicidade em prol das convenções sociais é uma troca razoável? Wong Kar-Wai não nos responde essa pergunta – pelo menos não de maneira objetiva – nessa história de amor cujos momentos ensaiados ou vividos transcorrem sob um tempo contado através de cores.

Se o amor do título é à flor da pele, o amor do Sr. Chow (Tony Leung) e da Sra. Chan (Maggie Cheung) se reserva muito mais às trocas de olhares e a todos os pequenos gestos que transbordam a tela e nos cativam. O pudor está presente não só na permanência do quarto, longe dos olhares e comentários dos vizinhos, mas também nas golas altas dos vestidos da Sra. Chang – golas que cobrem a sensualidade do seu pescoço da mesma maneira que, de certa forma, o estrangula. O pesar em calçar os sapatos da esposa infiel é sentido no pesar dos passos. É vestir-se daquela que não se deseja ser.

Nesse vai e vem de olhares onde a pureza do amor platônico se manifesta, uma relação de companheirismo também se desenvolve. A carência de seus pares é suprida na companhia um do outro. E mais do que o escrever um conto, o partilhar da refeição é o momento mais íntimo do clandestino casal. Também é nessa mesma ocasião que é confirmada a infidelidade de seus cônjuges e o pacto entre nossos enamorados é firmado.

Se a ausência dos infiéis pelos protagonistas é sentida, para nós ela é propositalmente escancarada. Os mesmos estão mais presentes fora de campo. Seus rostos não nos são apresentados pois suas respectivas relevâncias se limitam ao seu ato. Também é irrelevante se o romance entre nossos personagens centrais é ou não consumado. Talvez o que torna essa uma das mais belas histórias de amor do cinema é exatamente o não saber.

O diretor pode ter respondido nossa principal inquietação também nos detalhes. O verde da infidelidade dá lugar ao seu oposto complementar: o vermelho – que vai tingindo o ambiente conforme o sentimento se aflora. É como se o diretor desenhasse o retrato emocional dos personagens; In the Mood for Love se torna até um título mais adequado. É também no interior do hotel onde se encontram que a cor vermelha mais invade nosso olhar em um êxtase de toda a cronologia cromática.  Outro quadro que me intriga é o do Sr. Chow, de costas, e a fumaça de seu cigarro como se saísse de sua própria superfície. Ele, uma chaleira humana, fervendo de paixão.

A aria melancólica que serve de pano de fundo na maior parte do tempo é silenciada pelo bolero de Nat King Cole. Wong Kar-Wai nos instiga: Quizás, Quizás, Quizás (Talvez, talvez, talvez). Mas no fim, o segredo sufocante só pode ser revelado a um buraco. E o guardião desse segredo – e da nossa resposta – seria, para sempre, o buraco no muro de um templo. De um buraco para outro. Uma última troca.

Procurar trazer um significado a cada signo apresentado no filme acaba sendo uma atividade posterior. Amor à Flor da Pele é uma obra extremamente cinestésica. Portanto, mais do que assistir, trata-se de senti-lo. E revisitar o filme, pra mim, foi um deslumbre sensorial na medida em que me apaixonava ainda mais pela história de amor do Sr. Chow e da Sra. Chan, e também pelo cinema de Wong Kar-Wai.

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4 comentários em “Amor à Flor da Pele”

  1. Nossa… Que crítica incrível, me fez perceber o que não tinha percebido e abrir os olhos para o real e mais profundo significado dessa obra, as cores. As cores são elas que remetem a cada sensação, sentimento e emoção do casal, incrível.

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