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Deserto Particular

Deserto Particular

119 minutos

Drama premiado no Festival de Veneza é dirigido por Aly Muritiba

Premiado no Festival de Veneza deste ano, Deserto Particular concede a oportunidade de conhecer histórias de personagens brasileiros deixados à margem da sociedade em uma espécie de narrativa reconciliatória deles consigo mesmos e com a sociedade onde tentam se encaixar. O roteiro narra a jornada de Daniel (Saboia), um policial militar investigado pela corregedoria e cuidador do pai, um militar aposentado e demenciado, de Curitiba ao interior da Bahia para encontrar qual o paradeiro de Sara (Fasanaro), jovem que conhece apenas da internet e desapareceu.

Assim como realizou no bom Ferrugem, Aly Muritiba subdivide a narrativa em metades delimitadas por um encontro específico, e propõe uma forma de enxergar um estudo de personagens a partir da maneira com que apresenta mundos diferentes neste Brasil continental. Enquanto o de Daniel é caracterizado por ambientes fechados, contrastes expressivos e a incapacidade de expressar o que sente, o de Sara é arejado e mais colorido ou mesmo néon, embora reprimido pelo conservadorismo religioso e familiar. 

É com a fricção entre mundos a princípio irreconciliáveis que Aly Muritiba trabalha para dirigir um trabalho humano e sensível, mas jamais sentimental nem piegas. Com o trabalho do diretor de fotografia Luis Armando Arteaga, Aly utiliza a encenação áspera e realista como a peça ilustrativa da obliquidade do protagonista, sem a pretensão de maquiar os eventos ou de conferir a atmosfera de conto de fadas à realidade.

Enquanto faz isso, Aly também não sonega a Daniel a oportunidade de se redimir como ser humano. Isto confere profundidade a um homem cujo momento de violência é sugerido, mas não explicitado, em detrimento a momentos de afeto – quando assiste o pai no banho – e vulnerabilidade. Detrás da aparência truculenta e rude, existe um Daniel implorando para ser descoberto, o que exige um ator à altura para reorientar a busca que empreende no nordeste ao interior de si mesmo. Aly encontra este intérprete em Antônio Saboia, que conversa suas frustrações de uma forma sutilmente latente.

Sara é o oposto de Daniel, pois sua jornada não é de busca, mas de fuga. Precisa camuflar-se a fim de evitar a perseguição discriminatória e fingir a aparência desejada pela mãe, interpretada por Zezita Matos. No que Antônio Saboia é introspectivo, Pedro Fasanaro é decidido e expressivo, por saber quem é e o que deseja. Ao lado deles, complementam o elenco Cynthia Senek (de 3%), como a irmã de Daniel responsável por proporcionar o atrito para que o protagonista manifeste seu preconceito, Thomas Aquino (de Bacurau), o melhor amigo e confidente de Sara, e Laila Garin. 

Por causa de narrativas iguais a esta que o cinema brasileiro é apaixonante, pois, em vez de trilhar o caminho óbvio do pré-julgamento, Aly Muritiba decide unir os mesmos opostos que, no mundo real, dificilmente se aproximariam. Ao proporcionar o ponto de encontro no meio do caminho, de forma literal na metragem da narrativa, Aly convida o espectador a desfazer as ideias formadas enquanto hasteia a bandeira branca, representada por um vestido azul. Seu significado é bem maior do que só um presente, é também o momento de reconhecimento da pessoa que está diante de si feita por um personagem que termina por representar o Estado brasileiro.

A sua maneira, Deserto Particular é sobre inclusão, visibilidade e também aceitação. Não é um filme de respostas, mas das possibilidades que florescem nos encontros.

Deserto Particular está disponível na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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