Atriz cega estrela thriller de invasão domiciliar
O thriller “Veja por Mim” é eficiente o tanto quanto é ingênuo ao contar a história de uma ex-esquiadora profissional que abandonou o esporte após perder a visão. Amargurada, Sophie desconta a frustração na mãe e através do cometimento de pequenos delitos nas residências que a contratam como babá de animais. Seu mais recente trabalho a leva à tradicional mansão do cinema de terror, a momentos de ser invadida por ladrões ignorantes ao fato de não estarem a sós. Ao perceber a presença deles, Sophia faz o que toda personagem deveria fazer: chamar a polícia que está a 20 minutos de distância. Enquanto não chegam, apela ao aplicativo que a mãe havia citado e que dá nome ao filme, um que permite que a pessoa cega interaja com um atendente com acesso à câmera do celular e que a orientará a resolver tarefas domésticas ou, neste caso, a permanecer viva.
Escrito por Adam Yorke e Tommy Gushue, o roteiro de “Veja por Mim” certamente exige a suspensão de descrença do espectador, até se ancorar dentro de parâmetros de razoabilidade. A maioria dos personagens age dentro de parâmetros de verossimilhança e razoabilidade, em face aos conflitos apresentados diante de si, assim como Sophie é apresentada como a jovem adulta que deseja conservar a autossuficiência, razão por que desistiu de praticar a modalidade de esqui assistido nos jogos paralímpicos. Quem a ajuda a abrir a arrombar a porta deslizante e a sobreviver é Kelly (Jessica Parker Kennedy), apresentada como a gamer que, no tempo livre, trabalha como assistente no aplicativo.
Não há muito segredo (eis a ingenuidade) em perceber como o roteiro é desenvolvido para que aproveite cada informação a respeito da personalidade de Sophie e Kelly: a gamer, no trabalho análogo à atendente de emergência, só substitui o jogo de tiro em primeira pessoa por outro, apesar de este ter consequências reais, ao orientar a teimosa Sophie. Inclusive, a direção de Randall Okita abraça a influência daquele tipo de jogo ao empregar seus planos subjetivos característicos. Enquanto isso, a protagonista aprenderá a confiar em quem a guie e a conter a ansiedade (“Respire!”, fala Kelly), como se estivesse preparando o psicológico para retornar ao esqui.
É bonitinho, narrativamente, enxergar o desenvolvimento do arco dramático de Sophie (óbvio que grita) ou a personalidade de Kelly transbordar até a decisão no ato final que não é mais a de legítima defesa, e sim de ataque. A ingenuidade na forma e no conteúdo é abraçada sem ressalvas pela direção, de tal modo que pode se dedicar a explorar a tensa situação. Por razão da natureza audiovisual, sabemos mais do que Sophie e também os criminosos sabem. Isto aumenta o suspense no interior da mansão labiríntica, com alternativas de desvios e esconderijos empregadas pela direção.
Entretanto, o trunfo da narrativa é a atuação de Skyler Davenport. Não digo somente porque é cega, igual à Sophie, o que aumenta a fidelidade narrativa, mas porque encara o papel sem o desejo de amenizá-lo ou torná-lo simpático ao espectador. Sophie é mal educada, áspera e mesquinha, defeitos que não impedem o espectador de torcer para que sobreviva a experiência e saia dela transformada. Se não é ótimo, como foram Um Lugar Silencioso, O Homem nas Trevas ou Hush, ao menos funciona como entretenimento que oportuniza a chance de Skyler. E, quem sabe, por causa dela, de outros atores cegos.
Veja por Mim estreia quinta-feira, 16, nos cinemas, com distribuição da Paris Filmes.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.