Livro de Marcos Piangers é adaptado em comédia dramática
Vez ou outra reflito até que ponto as boas intenções de uma narrativa podem compensar o seu discurso enviesado. Pois, analisado superficialmente, Papai é Pop é o retrato bem intencionado de um homem aprendendo a ser pai. Mas no subtexto, há a condescendência de quem chama marmanjo adulto de garoto quando age de modo imaturo e irresponsável. É uma comédia dramática com a cara da sociedade que finge ser progressista, mas que trata com tolerância o homem / pai pelas razões com que impõe cobranças à mulher / mãe.
O roteiro de Ricardo Hofstetter, adaptado do best-seller de Marcos Piangers, apresenta-nos ao casal Tom e Elisa a dias antes do nascimento da primeira filha. Interpretada por Paolla Oliveira, cujo carisma é capaz de mover montanhas, Elisa é uma advogada de um escritório conceituado, provedora da família e paciente com a irresponsabilidade do companheiro. Vivido por Lázaro Ramos, que flui entre humor e drama com leveza, Tom é o estereótipo do pai de selfie: em vez de assistir a esposa durante o puerpério, sai para jogar futebol e beber com os amigos do trabalho e mal presta atenção aos indícios de que não é (ou está sendo) um bom pai. Por essa sinopse, dá para perceber que Papai é Pop é sobre a jornada dele, não dela.
A abordagem não é o problema, pois não há nada de errado em escolher qual o rumo que a história seguirá, contanto que realize perguntas e reflexões pertinentes, em vez de adotar o mantra vitimista “Tenta entender” sempre que pretende passar pano para Tom. É importante reconhecer que seu pai abortou a paternidade, deixando no colo da mãe Gladys (Elisa Lucinda, incrível!) toda a responsabilidade pela criação? Sem sombra de dúvidas. Mas não que este recibo seja descontado como justificativa da negligência de Tom, enquanto Elisa permanece como o rochedo que sustenta a família.
Não é que o roteiro não critique a vitimização de Tom, que inclusive namora a ideia absurda de deixar a criação a cargo de Elisa. É que não percebe que encara a situação da mesma forma que faz a sociedade que pretende desconstruir com seu discurso fílmico. Enquanto o bordão “Babá não, pai!” é a forma como o filme se enxerga no espelho; a valorização e validação de Tom em seu canal de YouTube, por realizar apenas sua obrigação paterna, é a forma como verdadeiramente é. Isto é resultado de armadilhas que a narrativa mal percebe armar e tropeçar. A mais grave é obrigar Elisa a existir em função de Tom, à espera de seu amadurecimento tardio, associado a hábitos atribuídos a homens irresponsáveis: futebol ou happy hour com os amigos, videogame e jogos do Corinthians, quando nada disto é motivo, mas sintoma.
Há mais exemplos: a associação entre a paternidade responsável e a baixa produtividade e o desinteresse no emprego; a compensação da consequência negativa ao relacionamento de uma mentira / omissão pela aquisição de um bem material muito desejado; a intimação na rede social para que Elisa dilua suas dúvidas mesmo tendo pedido tempo para pensar. A narrativa é a demonstração de como a finalidade admirável da narrativa não deve justificar os meios menos admiráveis, exemplo do desaparecimento de Gladys da trama no momento em que Tom já amadureceu o bastante para dispensar o conselho materno.
E, apesar de a direção de Caito Ortiz (do divertido A Taça é Nossa) saber administrar o bom humor com o drama, a partir da contaminação de sombras dentro do que antes parecia ser só caloroso e aconchegante como um passeio no parque, a narrativa desanda após concluir o drama central e fabricar outro como se fosse a prova para Tom confirmar sua vocação.
Papai é Pop ainda parece defender, através de Gladys que é a figura sensata da narrativa, o apagamento da vida do pai e da mãe em razão do nascimento do/a filho/a, o/a protagonista da família. Até entendo a preocupação ser fruto da indispensabilidade em cuidar e priorizar a vida recém nascida, mas os pais não podem deixar de viver suas vidas e individualidades, apenas fazê-lo de modo responsável.
Enquanto estimula a paternidade companheira e atenciosa, desejável dentro da sociedade, Papai é Pop deixa acidentalmente abertas discussões igualmente significativas e que o bom humor da maior parte da narrativa não consegue apagar.
Papai é Pop estreia nos cinemas 11 de agosto
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.