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O Clube dos Anjos

O Clube dos Anjos

98 minutos

Super elenco se banqueteia com a obra de Luís Fernando Veríssimo

Adaptado a partir da obra homônima de Luís Fernando Veríssimo, O Clube dos Anjos revela uma aparência teatral e uma alma cinematográfica. O filme reúne um elenco maiúsculo em quantidade e qualidade (Otávio Müller, Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos, Augusto Madeira, Marco Ricca, Ângelo Antônio, André Abujamra, César Mello e o português António Capelo) ao redor da mesa de jantar, onde devoram jantares memoráveis para morrerem envenenados, um a um, como resultado da gula, a metáfora de seus pecados e excessos. 

O roteiro escrito por Angelo Defanti, que também dirige, poda elementos literários que poderiam se revelar em excessos cinematográficos (a quantidade dos integrantes cai de 10 para 7) e conserva a alma existente nos diálogos cômicos, irônicos e humanos escritos por Veríssimo, decorando-os com decisões cinematográficas até mais interessantes do que a própria estrutura do roteiro. É que O Clube dos Anjos é episódico e repetitivo por vocação, encenando, re-encenando e re-re-encenando suas ações com o mesmo metodismo com que o cozinheiro Lucídio (Nachtergaele) prepara os pratos preferidos dos membros do chamado Clube do Picadinho, um conjunto de herdeiros alineados, que dilapidou ou tem dilapidado o patrimônio herdado dos pais. 

Desde a infância, Daniel (Müller) e os demais reúnem-se, mês a mês, para colocar o papo em dia, reforçar os laços de amizade e ter uma experiência gastronômica convidativa para o próximo encontro. O grupinho começa a deteriorar após a morte de Ramos (Capelo), a cola que os mantinha unidos, e a discordância começa a deteriorar as estruturas frágeis sobre as quais as amizades eram construídas. Pudera, cada personagem encena arquétipos que se mostram irreconciliáveis: o ex-político de esquerda caçado por corrupção, o empresário de direita desumano, o capitalista crítico ao capitalismo enquanto rancorsamente abraçado à sua fortuna etc. Somente quando o misterioso Lucídio entra na vida deles que brota, ainda que de modo precário e artificial, um tecido que mantenha viva a amizade. 

Uma parte do prazer de assistir à narrativa é passear pelas ilustrações visuais e criativas de Angelo, econômicas, eficientes e obedientes ao princípio maior do cinema: “mostre, não conte”. Da troca de cadeiras entre as crianças e os adultos membros do Clube do Picadinho à caminhada de certo personagem da mesa de jantar ao caixão onde será enterrado, aliado à direção de fotografia expressiva, que pinta de vermelho-sangue a parede oposta àquela onde está a câmera, e à forma como confere fluidez e fisicalidade às chamadas telefônicas, Angelo demonstra possuir um arsenal de recursos para conferir dinamismo à narrativa além do formato mais apropriado ao teatro. 

Um dinamismo também apresentado na troca ágil e envolvente de diálogos entre os convidados, e apenas pausado na confissão de Daniel, que narra a história em retrospecto. Daniel é o protagonista e é quem detém contornos tridimensionais; os demais personagens interpretam arquétipos facilmente identificáveis na sociedade capitalista. Mas não é a aparente unidimensionalidade que impede os atores e o espectador de estabelecerem uma relação firme (óbvio, quanto mais tempo possuem em cena, mais estreito se torna o que os conecta). 

A comida, porém, passa do ponto quando o roteiro tenta motivar as ações de Lucídio ou relacionar Samuel a Ramos, a partir de regurgitações expositivas. Poderia funcionar melhor sem essa subtrama, que pesa na barriga, mas a narrativa conserva energia ao reconhecer na gula, não pela comida, mas capitalista, a escada para enxergar a razão de o mundo ser como é: o desejo de quem está no poder de consumir mais e mais, além da saciedade e da sociedade. 

Crítica publicada durante a cobertura do 50º Festival de Cinema de Gramado

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