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Cabocolino

5/5

Cabocolino

2022

15 minutos

5/5

Diretor: João Marcelo

“Minhas irmãs, meus irmãos
Se assumam como realmente são
Não deixem que suas matrizes
Que suas raízes morram por falta de irrigação”

Eu não poderia começar esse texto de outra forma que não trazendo esses versos de Norte Nordeste Me Veste, do RAPapadura Xique-Chico. Afinal, Cabocolino faz questão de irrigar as raízes desse pedacinho da cultura.

Cabocolino é um curta-metragem que se concentra na figura do Seu João de Cordeira, um agricultor aposentado quase octogenário que vive no agreste pernambucano. Pode parecer a biografia de um homem comum. Mas Seu João é muito mais que isso! É o guardião da tradição do Bloco de Caboclinhos do Sítio Melancia em João Alfredo, uma agremiação cujos costumes são passados de geração em geração.

O documentário possui toda mística. Trazendo um quê de realismo mágico, ouvimos o depoimento desse senhor que esbanja energia. Ornado com seu cocar, o idoso realiza suas danças repletas de saltos e piruetas. Em alguns momentos a câmera nos faz compartilhar de um transe simbiótico com a figura na tela. Vê-lo dançar é como ser hipnotizado na cadeira da sala de exibição. Por alguns minutos a sensação é de estagnação do tempo e de adentrarmos em um espaço onírico. Ali estávamos na companhia de duas entidades convergindo no mesmo corpo: o homem e seu guia, o Caboclo de Pena.

Ainda mais lindo que seus movimentos, é o seu comprometimento com o legado que herdou. Ao longo do curta, Seu João nos conta de sua ancestralidade. Seu avô, um dos fundadores do bloco, migrara para Juazeiro do Norte, no Ceará, devido à seca e acabou desenvolvendo uma relação muito próxima com Padre Cícero que o enterrou em um solo considerado sagrado.

É poética também a relação do homem com a terra. Existe um teor sagrado na missão de peregrinar ao local que repousa os restos mortais de seu avô para enterrar junto dele as sementes do tambor (Enterolobium contortisiliquum). Morte e vida convergem nesse cordel místico. O respeito à ancestralidade é preservado com a celebração à memória e também ao solo.

A história de amor do homem com sua cultura não ofusca seu amor por sua esposa. É reconfortante o carinho com que se tratam, em especial a forma com que se despede dela para dar início a sua jornada. O afeto nesse documentário transcende várias instâncias. Traz beleza a uma realidade áspera marcada pelos poucos recursos financeiros.

Cabocolino é mais que um simples registro. É um manifesto da beleza e da mística existente na tradição dos caboclos. Ainda que seja apenas parte dessa imensa colcha de retalho da cultura nordestina, merece esse holofote e um registro em vídeo e na memória. O curta nos encanta com a humildade e doçura de seu personagem, enquanto nos embala com a fotografia belíssima que nos permite contemplar cada detalhe que compõe Bloco de Caboclinhos. Ficamos fascinados pelas vestes e penachos, além do bailar de seu representante. Poesia visual e narrativa em seu estado puro.

Cabocolino foi exibido na 2ª Edição do Festival de Cinema de Vassouras, no Vale do Café. E foi premiado com o Grão de Ouro de Melhor Documentário de Curta-Metragem.

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