O esquema de pirâmide de Velozes e Furiosos já aliciou um meio mundo de atores (de Helen Mirren a Brie Larson, de Dwayne Johnson a Kurt Russel) para participar de uma série que não tem pudor em remendar a cronologia de eventos pretéritos para ressuscitar este ou aquele personagem indispensável aos eventos do capítulo. Em Velozes e Furiosos 9, fomos apresentados ao irmão de Toretto, Jakob (John Cena), jamais mencionado até então. A finalidade era problematizar o tema de família, caro ao protagonista. Agora, descobrimos que o traficante de drogas português Hernan Reyes (Joaquim de Almeida), de Velozes e Furiosos 5: Operação Rio, deixou um herdeiro: o sociopático Dante (Jason Momoa), que prometeu ao pai fazer Toretto sofrer.
Não tenho mais forças para apresentar a sinopse. Dante dará um caldo na família de Toretto, retirando-a da asa protetora da Agência. A partir daí, é um pulo para taxar a família de terrorista. E, depois, jurar de morte todo e qualquer indivíduo que a auxiliar. Para que o plano de vingança funcione, ainda deve separar a família ao redor do mundo. Se citei a Agência, a organização tenta carregar a mesma mística que o Hotel Continental tem para a série John Wick, mas falha miseravelmente.
Até porque não é a história ou a coerência dos eventos que fascinam o espectador a assistir a Velozes e Furiosos de 2001 até hoje. Se dependesse delas, por que Toretto é preso, mas não é algemado (sendo quem é)? Ou investigar a logística dos personagens que viajam ao redor do mundo, mesmo que sejam alvos número um de uma caçada internacional. O espírito da série de conferir seriedade aos dramas e extrapolar as cenas de ação (a problemática comentada na crítica do antecessor) está em saber até onde o roteiro de Dan Mazeau e Justin Lin e a direção de Louis Leterrier (dos competentes Carga Explosiva, O Incrível Hulk e Truque de Mestre) estão dispostos a levar o espectador, depois de a série ter dirigido no espaço.
Portanto, é decepcionante que Velozes e Furiosos 10 reduza a marcha e tire o pé do papel da ânsia antigravitacional e antifísica que havia antes. Em 141 minutos de duração, há apenas duas set-pieces (as sequências de ação), uma no início, outra no fim, eficientes tanto em proposta e execução. Entretanto, incapazes de manter um ritmo narrativo apropriado ou de distrair o espectador de pensar naqueles pontos de roteiro que havia citado antes. A primeira cena transforma Roma em um campo de futebol e o carro de Toretto, no jogador que tenta dominar uma bola bomba (em chamas). A missão é impedir um atentado terrorista contra o Vaticano, nem que isto signifique apelar à terceira lei da física (da ação e reação). Na cena climática, a direção emprega essa mesma lei num instante dramático (ou que a narrativa crê ser), antes de Toretto dirigir o carro tobogã abaixo numa represa.
Dou o braço a torcer, curto essas sequências. Não curto os 100 minutos espremidos entre elas, porém, que são a maior parte da narrativa. É que Velozes e Furiosos 10 não sabe bem o que fazer quando divide a família em 5 narrativas paralelas, então apela à trocação de socos e pontapés antes de todos aceitarem jogar no mesmo time. Charlize Theron e Michelle Rodriguez brigam dentro do presídio de segurança máxima, no mais ermo canto do mundo, até juntarem forças para sobreviver. Pior é Jason Statham contra Sung Kang ou Tyrese Gibson contra Ludacris, que mal oferecem o prazer de uma luta coreografada. Ou a direção apela à montagem para retalhar a luta (o primeiro caso), ou a considera irrelevante para não ser dignificada com a atenção da câmera (o segundo caso).
Sem um roteiro minimamente coerente e com um ritmo atabalhoado, o que resta a Velozes e Furiosos 10 é uma atuação à lá coringa de Jason Momoa. Dante já é introduzido enquanto lambe a sua faca manchada com o sangue do adversário. Sua onipresença surpreende, mas menos que seu plano, que demanda que peças independentes estejam no mesmo lugar, ao mesmo tempo, e que os personagens ajam da forma como planejou que agiriam. Afora isso, a atuação de Jason pretende esconder, atrás do jeito jocoso, a imprevisibilidade e maldade de alguém sem escrúpulos. Eu gosto da ideia, não da execução. Há um exagero em figurinos estilizados, penteados variados, expressões francesas e italianas e passos de balé que elimina a ameaça, em vez de acentuá-la.
Dante funciona como conceito, contrapondo a seriedade brucutu de Vin Diesel. Contudo, a execução está longe da modelagem performaticamente cruel e indiferente do Coringa. Ele é ameaçador porque é onipresente e onipotente, não porque percebe a psicopatia como uma desculpa para fazer o que quer fazer como ator.
Do mesmo modo que o ator, a franquia de filmes continua a ter a ideia enviesada do que é e de sua relevância. Ao apresentar as fotos históricas no mural da casa de Toretto ou o vídeo na Agência com os feitos realizados ao longo de nove filmes, Louis Leterrir pretende criar um sentimento de nostalgia e pertencimento do espectador antes da despedida (?). No entanto, isto é frustrado com a cena pós-créditos com o retorno de não um, mas de dois personagens, nesta Caverna do Dragão cinematográfica, em que apenas queremos sair desse mundo de faz de conta e retornar ao mundo real.
Leia também a crítica de Álvaro Goulart sobre o filme, clicando aqui.
Leia ainda as minhas críticas da série de filmes em Crítica | Velozes e Furiosos 8 e Crítica | Velozes & Furiosos 5 – Operação Rio.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.