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Bienal do Livro Rio 2023 – Páginas na Tela, com Guel Arraes, Jorge Furtado e Patrícia Pedrosa.

Uma conversa sobre adaptações literárias às telas, parcerias e novos projetos.

No dia 03 de setembro, domingo, a Bienal do Livro proporcionou um bate-papo com Guel Arraes e Jorge Furtado, mediado pela diretora dos Estúdios Globo Patrícia Pedrosa no painel Páginas na Tela. O tema principal desse encontro seriam as adaptações literárias para as telas, haja vista as diversas produções inspiradas em textos literários produzidas por eles em parceria ou individualmente.

A conversa começou com Jorge Furtado falando sobre a escolha de um livro para ser transformado em uma obra audiovisual, da busca por uma história interessante cujos personagens vão funcionar quando transpostos para outra linguagem. Cita Hitchcock, apesar de respeitosamente discordar quando o mestre do suspense dizia que livros ruins proporcionavam bons filmes, apesar de Janela Indiscreta ter saído de um conto em um Pulp fiction. Jorge comenta que alguns são dificílimos de adaptar, como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, que nunca teve uma adaptação à sua altura. Também traz à discussão Dom Casmurro, de Machado de Assis, por sua pouca ação, onde tudo ocorre no íntimo dos personagens. Exemplifica, inclusive, com as páginas que descrevem as pernas trêmulas de Bentinho ao descer as escadas para encontrar com Capitu.

Guel Arraes aponta que as peças de teatro são uma ótima fonte de texto para serem adaptadas às telas por seu caráter universal. É possível transcrevê-las para diversos cenários como, por exemplo, trazer Os Miseráveis, de Victor Hugo, para a realidade brasileira. O teatro brasileiro possui diversas histórias magníficas, comenta o diretor. Basta procurar pela Antologia do Teatro Brasileiro, por exemplo. Arraes comenta que a melhor obra a ser adaptada é aquela que conversa com o realizador, que comunica com seu trabalho. Fala que seu texto de comédia favorito é o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, mas que ambos vinham de uma série de adaptações brasileiras de comédia. A chance de dividir a adaptação em quatro episódios para a televisão permitiu explorar melhor tudo aquilo que o texto de Suassuna tinha a oferecer: as temáticas do povo brasileiro e aquele herói brasileiríssimo que foi João Grilo.

Durante a conversa sobre O Auto da Compadecida, Guel fala sobre sua proximidade com Ariano, que morava de frente para seu pai e chegaram a ficar próximos, apesar de serem opostos no meio político. Conta que o autor o havia oferecido o texto, e que inclusive havia negado a outro cineasta, pois havia reservado ele a Guel. Somente depois de um tempo é que então havia aceitado fazer a adaptação, que acabou tomando mais corpo com o envolvimento de Matheus Nachtergaele e Selton Mello. Guel conta que para preencher espaços fez acréscimos com esquetes inspiradas em Decamerão e Molière, entre outros textos medievais da comédia bufa, para costurar e preencher a colcha de retalhos que seria a minissérie. Quando comunicou Ariano sobre os acréscimos, a princípio o autor não havia consentido. Mas acabou concordando e ficou gostoso com o resultado quando assistiu pela televisão.

Arraes está filmando a sequência de O Auto da Compadecida, em que pode firmar mais uma parceria com Jorge Furtado na escrita do roteiro original. Na época do primeiro, Furtado estava ocupado com outras produções. Nessa continuação, a história se passará vinte anos após a do primeiro filme. Enquanto o texto de Ariano se passa nos anos 30, à época da infância do autor, a continuação será ambientada nos anos 50 – próximo aos anos da infância do diretor. Guel conta que o que mais lhe atrai é a amizade entre Chicó e João Grilo. Os temas sociais continuam circundando esses. A sagacidade de João Grilo vem da necessidade de superar a fome, de buscar o pão de cada dia, o que o torna um personagem universal. Mas também é universal a parceria entre dois indivíduos, principalmente dentro do gênero da comédia, como em O Gordo e O Magro e Oscarito e Grande Othelo, por exemplo. É gostoso de ver o amor e admiração que existe entre os dois amigos. Jorge acrescenta que O Auto da Compadecida só com os esquetes de João Grilo e Chicó e os demais moradores da cidade já é excelente por si só. Mas se torna ainda maior quando traz a questão da religiosidade e amplifica ainda mais a potência da história com a chegada de Nossa Senhora.

Para a alegria de todos os presentes, foi exibido o trailer de O Auto da Compadecida, para podermos matar um pouco da saudade dos personagens. Em seguida, um vídeo dos bastidores de O Auto da Compadecida 2, com Matheus e Selton lendo uma parte do diálogo de João e Chicó nos oferece uma prova do que vem por aí.

Selton Mello e Matheus Nachtergaele retornam como Chicó e João Grilo, em O Auto da Compadecida 2. Foto: Divulgação/Rede Social

Também foi exibido um trecho do filme Grande Sertão, outra parceria entre Guel Arraes e Jorge Furtado, que estreia em novembro nos cinemas. A obra vai trazer o texto de Guimarães Rosa para os tempos atuais. No caso, para o cenário da periferia dominada pelo crime e cercada por muros. A princípio, a adaptação estava nas mãos de Heitor Dhalia que entregou para Guel, mas que precisava encontrar a porta de entrada para apresentar a Magnum opus de Rosa para o público. “Biscoito fino para as massas”, como diria Oswald de Andrade, lembra Arraes. Os cineastas falam da influência de Gláuber Rocha para a realização dessa adaptação. Também falam que a realidade urbana da violência no cinema brasileiro foi muito bem trabalhada em Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, seguida de Tropa de Elite, de José Padilha.

Grande Sertão irá trazer um outro olhar sobre a violência. Vai trazer a ótica do guerreiro do crime, o bandido. Muito se vê da ótica das pessoas comuns que são vítimas ou a dos policiais. Aqui vai se mostrar o olhar do outro lado ainda pouco explorado. E de uma forma não convencional. Ainda mais por Ribaldo, interpretado por Caio Blat, ser um criminoso com pensamentos filosóficos. De acordo com Guel Arraes, Guimarães Rosa presenteia com um texto a frente de seu tempo quando escreve sobre Ribaldo nutrindo um amor por outro homem. Hoje é algo mais aberto, mas o pensamento em 1952, quando o livro foi escrito, era outro.

Sobre adaptar uma obra literária, Jorge Furtado acrescenta que por mais que não se atenha ao texto, aos diálogos, é necessário manter a essência da obra, do autor. Apesar de transpor para uma distopia atual, o diálogo se mantém poético e fiel. Existem trechos incríveis na obra original, acrescenta. Também exemplifica negativamente com a adaptação de Alice no País das Maravilhas feita por Tim Burton que foge da essência de Lewis Carrol. Por fim, também comenta que uma das inspirações para a ambientação de Grande Sertão é o site Crime News, onde eram noticiados conflitos entre facções criminosas e a polícia. Furtado exalta os comentários feitos nas páginas das notícias e como aquela linguagem era real e como parecia que transcrevia a fala daquelas pessoas. Algumas frases chegaram a ser incluídas no texto do filme e se entrelaçaram perfeitamente com o que foi produzido por Guimarães Rosa.

Cena de O Grande Sertão. Foto: Acervo/Globo Filmes

Os cineastas também comentaram da peça O Debate, “escrita na urgência dos acontecimentos políticos do Brasil no ano de 2021”. Furtado conta a respeito da indignação de ambos durante a pandemia, com todas as mortes causadas pelo covid-19 e as falas jocosas e desumanas do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu boicote à vacina. Tendo em vista as eleições de 2022, fazia-se necessário produzir algo para promover a eleição de Lula e combater todas as Fake News que eram disseminadas e uma possível reeleição de Bolsonaro. Apesar de ofertas de patrocínio, os cineastas não quiseram um filme devido o tempo que demandaria para produzi-lo. Era necessária uma obra que estivesse pronta ao tempo das eleições. Publicado pela editora Cobogó em 2021, o texto de O Debate foi adaptado para a tela grande no ano seguinte, dirigido por Caio Blat e contando com Deborah Bloch e Paulo Beth nos papéis principais.

No final do painel, houve um tempo para perguntas da plateia. Foi questionado a respeito da liberdade dos atores e fazer improvisos e acréscimos ao texto de obras adaptadas, o que foi explicado que não havia muito espaço justamente para manter a essência do texto e da obra original. Também foi perguntaram a Jorge Furtado qual obra literária ele mais gostaria de adaptar para as telas. O cineasta cita Dom Quixote e relembra o desafio que seria adaptá-la. O Cinema com Crítica também conseguiu enviar sua pergunta para os dois convidados:

Ilha das Flores e O Auto da Compadecida são filmes cujo diálogo e narração são importantíssimos. Como produzir uma obra audiovisual com o peso tão grande da palavra sem tirar o protagonismo da imagem?

Jorge Furtado – “Boa. Eu acho que a gente tenta fazer, Guel e os outros, um cinema que dialogue com a poesia. Assim, a poesia tem um rigor de palavras, uma estrutura. A palavra exata é essa, não essa. E a gente sempre se preocupa muito com isso. Desde quando a gente fazia Comedia da Vida Privada, o Veríssimo…o Veríssimo tem um texto com a palavra perfeita. Assim…eu me lembro de um conto dele que eu adoro que é um cara chegando numa moça em uma livraria e ele quer dar uma cantada nela e chega assim: ‘lês muito?’ (risos). Ela: ‘Como?’. Ele: ‘Você gosta de ler?’…’ah, sim!’. ‘Lês muito?’, o que é esse ‘Lês muito?’. Então essa palavra, essa expressão, ela é muito importante. Veríssimo tem isso. E todo bom ator tem isso. O Grande Sertão nem se fala! Então…”.

Guel Arraes – “Tem muito influência da televisão o que a gente faz, né. De alguma maneira assim, a palavra, ela é muito importante na televisão. A televisão é um misto de cinema com teatro. Então alguns filmes, pelo menos os meus, são um pouco mais teatrais, mais televisivos. Enfim. Uma das coisas que, pra mim, a imagem contrabalança são as, digamos assim, inspirações de cinema mudo, as histórias paralelas corporais dos atores, as marcações – a Patrícia faz muito isso também. Tem uma coisa que quando eles estão falando pra cacete tem algo acontecendo atrás. É uma coisa de cinema mudo, uma marcação do cinema mudo por baixo que é muito visual. E o nosso trabalho é meio que ir casando os dois. Eles brigam um com o outro, mas um ilustra o outro, a palavra e a marca. E, com isso, acaba que você cria pequenas histórias, como um anel que passou pra cá e agora passou pra lá, daqui a pouco caiu no fogo. Enquanto isso os personagens estão falando de outra coisa. Tem sempre uma história visual paralela acontecendo. O cinema de Hollywood tem muito isso também”.

Jorge Furtado – “O Ilha das Flores foi citado também. O Ilha tem um texto corrido, uma locução direta, um texto corrido off do Paulo José, maravilhosamente interpretado pelo Paulo José e uma pista de imagem. Que às vezes são reiterativas. Às vezes são ao contrário da imagem. Às vezes é uma ironia. Mas são duas coisas paralelas. O Ilha das Flores dava pra passar no rádio. Num Podcast. Mas se você assistir com a imagem, aí tem uma outra coisa, que complementa-se”.

Após o bate-papo, Guel Arraes e Jorge Furtado tiraram fotos com os fãs e concederam autógrafos.

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