Nando Cunha esteve presente na exibição para convidados do filme “Othelo, O Grande“, de Lucas H. Rossi dos Santos. O ator, que já havia interpretado Grande Otelo na minissérie “Dalva e Herivelto“, volta a viver o ilustre artista em “Mussum, O Filmis” – que também foi exibido nessa edição do Festival do Rio. Nando Cunha também pode ser visto em “Nosso Sonho“, a cinebiografia da dupla Claudinho & Buchecha, em que interpreta Claudino de Souza, o pai de Buchecha. Em poucos minutos, Nando nos contou um pouco de sua experiência vivendo Grande Otelo, seus projetos e da indústria cinematográfica brasileira.
Leia a crítica de Othelo, O Grande aqui
Leia a crítica de Mussum, O Filmis aqui
Leia a crítica de Nosso Sonho aqui
A.G.: “Você interpretou Grande Otelo em Mussum e ficou incrivelmente fantástico! Mas primeiro, eu queria fazer a você a mesma pergunta que eu fiz uma vez ao Antônio Pitanga em outro festival. Como você enxerga, da época do Grande Otelo até hoje, a evolução do espaço para pessoas negras e pretas, tanto como artistas e realizadores, na indústria cinematográfica brasileira?”
N.C: “Olha, eu não vejo muita diferença. Eu acho que nem o Grande Otelo falou ali, agora, no filme. Foi ele que falou, não foi ninguém. A gente não vê diferença nenhuma. Sabe, assim, o que ele falou a respeito das angústias dele há quarenta anos atrás, elas são as minhas angústias hoje. Não mudou nada. Assim, a gente está em busca de relevância, de importância, de trabalho pra gente, sabe? Eu acho que muita coisa precisa ser mudada. A gente precisa continuar escrevendo as nossas narrativas. Nós precisamos das pessoas, da gente, em lugares de liderança. Aí sim, vamos começar a poder escrever as nossas narrativas, e poder contar as nossas histórias e estar nesses espaços, ocupar esses espaços. Eu fiquei muito feliz com o documentário. E fiquei triste por ver que a realidade dele não mudou muito. A gente vê muitas produções com negros e pretas, mas não é ainda igualitariamente como nas produções brancas. Fico muito feliz pelo filme. Sou um cara que teve um privilégio. Eu vivi o Grande Otelo no teatro, no cinema e na televisão. Fui o cara que mais interpretou o Grande O telo na vida. E ainda quero…quero ter um projeto de fazer uma ficção sobre ele no cinema. Então assim, é triste por essa realidade não mudar. Mas estamos lutando. É por ele, pelo (Antônio) Pitanga, pelo Abdias (Nascimento). A gente vai continuar lutando para estar escrevendo nossas narrativas, falar sobre nossos corpos de maneira mais humanizada e mais afetuosa.”
A.G.: “E se você tivesse que indicar um filme do Grande Otelo para essas novas gerações conhecerem de fato ele, qual filme você indicaria?
N.C.: “Ai, tem um que é maravilhoso, mas não vou saber dizer o nome. “Macunaíma” não, pois ele não gostava de “Macunaíma”. Ele dizia que “Macunaíma”… depois de “Macunaíma” ele não tinha feito nada de bom. Mas tem muitos sucessos que as pessoas podem pesquisar. Acho que tudo o que ele fez, tudo que ele se prestou a fazer, ele fez bem a beça. Qualquer filme que eles vão ver do Grande Otelo… As pessoas vão ver o talento enorme que esse cara tinha. E foi o que ele (Grande Otelo) falou. Não tinha escola. Não tinha diretor que dirigisse ele. Era o que combinava (com o personagem) que ele fazia diante das câmeras. Gênio! Gênio!”
A.G.: “E você também esteve em Nosso Sonho. E também esteve fantástico por lá. Se você tivesse que trazer outro personagem para ter uma cinebiografia, quem você traria para às telas?
N.C.: “O Grande Otelo, com certeza!”
A.G.: “Eu já sabia que essa seria a sua resposta!” (risos)
N.C.: “Com certeza! Esse é o meu projeto de vida. Eu falo assim, até me emociono. Há anos que eu acompanho a história dele. E ver isso aqui hoje é emocionante e muito inspirador pra mim. Com certeza, a cinebiografia da vida dele vai sair. E vou tentar fazer com a maestria. Metade da maestria com que ele fazia!”
A.G.: “Vai ser maravilhoso! Ele merece ser lembrado…aliás, eternizado mais do que ele já é”
N.C.: “Eu acho que… assim, eu sei que filmes não são baratos. Mas todo festival de cinema deve muito a esse cara. Deve muito a esse cara. Grande Otelo era o cinema em sua natureza. Era o cinema em sua essência. E ver o povo lembrá-lo e lembrar do que ele falou no documentário… no final, ele precisava fazer qualquer coisa pra poder pagar as contas. É muito triste. Esse país tem uma dívida muito grande com ele. Se o cinema tem nome… aliás, se o cinema tiver nome, esse nome se chama Grande Otelo.
A.G.: “Gigante Otelo!”
N.C.: “Gigante Otelo!”
Após a entrevista, comentei com Nando Cunha que havia sido apresentado ao Grande Otelo pela minha avó, que assistia seus filmes junto ao Oscarito no cinema. E que o primeiro filme que havia assistido com ele era “Macunaíma”, e que também tinha visto o lado cômico do artista na “Escolinha do Professor Raimundo“, como Eustáquio. Mas foi apenas quando assisti a “Rio, Zona Norte” que entendi a grandeza do Grande Otelo. Que sua potência dramática tinha me impressionado. E hoje é um filme que guardo com carinho e destaque na minha coleção. Na mesma hora, Nando conta que era “Rio, Zona Norte” o título que tentava lembrar quando foi pedido para indicar um filme da imensa lista de filmes da carreira daquele ícone do cinema nacional.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.