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My Favourite Cake

4/5

Muitas vezes, a experiência cinematográfica é impactada pelo desconhecimento e ainda por uma insensibilidade cultural, presente quando julgamos a cultura do outro pela régua de nossa cultura. Na dramédia romântica iraniana My Favourite Cake, só pude compreender a “transgressão” moral que acarretou o confisco dos passaportes de Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, diretores e roteiristas, durante a coletiva de imprensa, quando a atriz Lily Farhadpour trouxe ao público uma carta escrita pelo casal. É que, no Irã pós-Revolução Islâmica, ingerir bebidas alcoólicas ou andar em público sem o hijab – que cobre os cabelos da mulher – é um crime punido pela polícia da moral. E Lily, fora passar grande parte do tempo sem o hijab, afinal a personagem está dentro de casa, mesmo que a atriz esteja em público, ainda divide uma garrafa de vinho de fabricação caseira.

Para entender, o roteiro de My Favourite Cake aborda um tema ‘polêmico’: o romance da septuagenária Mahin, viúva há cerca de 30 anos e solitária depois da partida da filha. Mahin acorda ao meio dia, rega as plantas de casa, faz as refeições sozinha – salvo quando recebe a vista de suas amigas -, até encerrar a rotina em frente à televisão, assistindo a romances estrelados por atores bem mais jovens e que não dialogam com a realidade de uma mulher consciente de que não procura o amor da sua vida, mas apenas uma costela para lhe fazer companhia. Mahin é nascida antes de a religião tomar o poder em 1979, quando a mulher iraniana tinha o direito de ir e vir, na companhia de um parceiro ou não, e vestir-se do jeito que melhor lhe conviesse.

Mahin é de outra época, adaptou-se porque assim tinha que ser. Isto não a impede de partir ao socorro de uma jovem mulher, prestes a ser presa pela polícia da moral porque parte do cabelo estava exposto. Na realidade, com exceção deste momento, a política iraniana não está sequer em segundo plano, que dirá em primeiro, pois o roteiro está concentrado nessa mulher e em sua jornada para encontrar um companheiro. E talvez o tenha encontrado no taxista Faramarz (Esmail Mehrabi), que sente a falta de uma companhia para “cozinhar para ele” – embora a justificativa não faça jus aos sentimentos ternos envolvidos.

A beleza de My Favourite Cake está na aparente simplicidade… para mim, para você, mas não para aquelas almas solitárias em um país que reprimiria essa tentativa de felicidade, se pudesse fazê-lo. Para Lily e Faramarz, um mero convite para jantar na casa do outro exige a superação da moral pré-estabelecida. Recordo As Pontes de Madison, embora, no lugar do adultério, nesta narrativa o imperativo moral repressor seja o etarismo, residente no fato de que Lily não enxerga mais no espelho uma mulher apta a amar. Uma regra que é válida a Faramarz, em menor medida, pois dividimos menos tempo com o personagem.

É a troca de olhares, é a conversa carregada de sinceridade e desprendimento, é a forma de a direção enquadrá-los de frente, no interior do táxi, lado a lado, naturalizando na cabeça do espectador um casal que, até então, mal esperava. E é a dança, um momento recorrente em comédias românticas, apropriada por corpos idosos cujas alegria e jovialidade remetem à descoberta do primeiro amor. 

Entretanto, o final agridoce de My Favourite Cake me desapontou e para explicar a razão, não há alternativa senão entrar em spoilers ou, ao menos, sugeri-los. Estejam avisados, ok? O desfecho fatalista derrama água na calorosa fogueira que a narrativa havia construído, dá a Lily menos do que a personagem merece e ainda pode abrir porta para uma leitura para lá de moralista. Uma pena.

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