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Má Reputação

4/5

Má Reputação

2024

78 minutos

4/5

Diretor: Marta García, Sol Infante

“Sou uma trabalhadora do sexo”

A prostituição é considerada a profissão mais antiga do mundo. Está presente em diversas culturas e regiões do globo. Essas pessoas que ofertam o próprio corpo como mercadoria ou, de forma mais poética, oferecem conforto sexual em troca de compensação econômica, são citadas em diversas histórias…até mesmo são personagens de destaque na Bíblia, a publicação vista como direcional da moral ocidental.

Em Má Reputação, acompanhamos Karina, que ganha a vida como trabalhadora do sexo nas estradas e é também uma ativista contundente da classe. Haja vista que está envelhecendo, ela procura novos meios de sustento e, paralelamente, busca organizar suas colegas de trabalho para conquistar o reconhecimento profissional e garantir seus direitos trabalhistas.

É interessante como a primeira escolha do filme seja em direcionar a câmera para o colo da personagem. É um convite ao seu corpo, como o que a mesma faz para diversos caminhoneiros que trafegam pelo seu local de trabalho. Conforme o longa se distancia daquela estrada, ele nos conecta à humanidade de Karina. Acessamos sua intimidade através da privacidade de seu lar e de seus depoimentos. Acompanhamos suas reuniões virtuais e presenciais com suas amigas, seu processo de embelezamento e sua dinâmica com familiares e rede de apoio.

Em paralelo, também conhecemos um pouco das demais trabalhadoras e suas histórias. No imaginário coletivo, existe uma padronização a respeito dessas profissionais: ou são pessoas marginalizadas pela vida, ou romantizadas por acessarem locais de prestígio e o acesso a grandes quantias de forma “fácil”. Má Reputação se concentra no polo das figuras marginalizadas. O grupo é composto por mulheres trans; mulheres com baixo nível de escolaridade; que vinham de lares vulneráveis; que foram exploradas sexualmente desde a infância e aquelas que se enveredaram na profissão como último recurso para garantir a subsistência própria e dos seus.  Em alguns depoimentos, é revelado que não possuem contato com a família, ou são tratadas com desprezo, reservando a elas a má reputação que nomeia o filme.

O longa acerta em não buscar vitimizar essas mulheres, tão pouco criar juízo de valor sobre elas e sua atividade de trabalho. Entretanto, não se esconde por trás da impessoalidade da câmera. Pelo contrário, traz momentos de reflexão como quando Karina conta de um processo seletivo para realizar a limpeza de banheiros em que, apesar de estar selecionada entre as cinco principais candidatas, foi descartada pela falta de experiência. Karina relata que, durante a entrevista final do processo, os recrutadores questionaram a ausência de experiencias formais em seu currículo. A mesma havia justificado que trabalhava com sexo desde os 12 anos de idade, e que nunca havia tido oportunidade de ter um emprego formal. Mais absurdo que é a exigência de experiência para realizar limpeza de banheiros é o fato dos recrutadores se alarmarem com a falta de assinaturas numa carteira de trabalho ao invés de ela ser obrigada a ofertar o corpo ainda criança.

A montagem do documentário também é pensada para descontruir pensamentos que promovem a manutenção de estereótipos. Logo no início do longa, é exibida a conversa entre Karina e suas colegas sobre a exigência de seus clientes se banharem antes de receberem o serviço. Que foi algo que Karina passou a determinar depois de muitas experiências catastróficas envolvendo a higiene e apresentação da clientela. O ter controle sobre o tempo e as condições de trabalho dentro desse meio até então clandestino é um empoderamento da classe. Inclusive quando confronta as determinações dos estabelecimentos e outros exploradores que visam lucrar em cima do tempo e serviço dessas mulheres. Esse empoderamento se repete já ao final, durante uma entrevista a um programa de televisão, em que Karina determina o seu tempo de fala e o tempo de comer o jantar ofertado durante o programa. Ela toma de volta para si novamente o controle sobre seu tempo. E faz novamente o gesto de retomada, mas sobre sua narrativa, quando corrige o apresentador afirmando que hoje ela é uma trabalhadora do sexo, com pessoa jurídica, e não uma prostituta.

Má Reputação se destaca entre os demais documentários que tratam de algum aspecto da indústria do sexo por não se enveredar pela “pornografia do sofrimento”. Pelo contrário, ele exalta a força dessas mulheres ao mostrar sua vida cotidiana que permeiam a normalidade de qualquer outro trabalhador. Divulga as conquistas políticas vindas da união da classe e, também, as conquistas individuais de suas personagens – a formação profissional como cabelereira e a abertura de seu salão de beleza conquistados por meio do trabalho sexual de uma das associadas, por exemplo. Mas a maior força do documentário está em sua protagonista. Karina é uma mulher incrível e com respostas afiadas para qualquer ocasião. Ela não sente vergonha de sua atividade ainda que busque qualidade de vida através de outras formas de trabalho e pela luta pelos direitos da sua classe. Lhe entregar o controle da sua própria narrativa é outro acerto, principalmente porque ela iria retomá-lo de qualquer maneira.

Má Reputação foi assistido na Mostra Território do 18º Festival Internacional de Cinema de Belo Horizonte – CineBH.

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