Por Thiago Beranger.
Masculinidade frágil. Esse tema veio a tona nos últimos tempos com muita força. A sociedade vem evoluindo rumo a uma maior equidade de gênero graças à luta dos movimentos feministas, que tem conquistado cada vez mais direitos para as mulheres e pautado discussões importantíssimas acerca do machismo estrutural. Com isso, nós homens nos vimos em uma situação nova. Vários dos elementos que caracterizavam a figura do “macho” vêm sendo questionados e desconstruídos. Nossas contradições estão sendo expostas e isso nos coloca diante de uma escolha: ou encaramos esse processo e buscamos entender melhor quem somos, ou reafirmamos nossa “macheza” e nos tornamos seres patéticos. Em seu primeiro longa, o diretor chileno Esteban Cabezas reflete sobre esse tema.
O homem em questão é Rodrigo (Juan Pablo Miranda), um pai separado que vê sua ex-esposa (ou ex-namorada) Carla (Maria Jesús Gonzáles) seguindo a vida, se relacionando com outro homem. Frustrado com a situação, ele resolve aparecer em sua antiga casa, numa manhã, pra tentar recuperar tudo aquilo que perdeu. O protagonista é um personagem infantil, que parece não saber lidar com os próprios sentimentos. A sua questão principal não é a distância do filho Julián (Román Cabezas) ou um sentimento mal resolvido pela ex-mulher, mas sim a presença de Max (Moisés Angulo), o novo namorado. Ele se sente impotente diante disso, se sente “menos homem” por ter sido “substituído” por alguém melhor. O sentimento deriva de uma baixa autoestima e gera nele uma grande necessidade de afirmação. Isso fica claro em determinadas escolhas que o diretor faz para construir o seu personagem.
Rodrigo invade a casa em que Carla vive, toma banho em seu banheiro, esvazia os tubos dos produtos de higiene pessoal (mas só os que pertencem ao namorado), veste as roupas de Max e dorme em sua cama. Em mais de um momento ele se masturba enquanto faz essas atividades, mas ao fazer isso se descobre impotente. Uma nada sutil representação física da sua insegurança, baixa autoestima e da fragilidade da sua masculinidade.
Cabezas filma a situação como um observador indiscreto. A câmera quase não se movimenta, permanece impassível diante dos acontecimentos. Há algo até constrangedor nessa observação. As ações de Rodrigo são tão patéticas que ficamos desconfortáveis ao assistir um homem adulto, trajado de camisa social e cueca (simbólico) cometendo-as. Bate uma vergonha alheia mesmo, de perceber a sua infantilidade. O diretor não dá nenhum momento de alívio, encarando sem desviar o olhar. Em certos momentos, acontece uma redução da razão de aspecto pra uma janela quase quadrada, enclausurando ainda mais o personagem em sua insegurança.
A casa também é utilizada como um recurso narrativo interessante. O único bem pertencente ao protagonista, onde ele “generosamente” permitiu que seu filho e a mãe vivessem, é algo absolutamente decadente. Logo no início do longa nos deparamos com planos detalhes de diversos defeitos espalhados pela construção: janelas quebradas, rachaduras, buracos, pontos de ferrugem. Tudo constrói esse espaço antigo e malcuidado. A casa também é repleta de espelhos, que são meticulosamente enquadrados para oferecer contraplanos que compensem os poucos cortes e movimentos, e que obrigam os personagens a encararem suas próprias fragilidades.
O único momento em que a monotonia da decupagem é quebrada é já ao final, quando Rodrigo, Claudia e Julián se sentam ao redor de uma mesa na área externa da casa para comer cachorros-quentes. Há certa ironia na forma como Cabezas filma essa cena, girando 360º em torno da mesa, como se retratasse uma família feliz em um momento de convivência alegre. Os semblantes de pai e filho até refletem esse estado, mas a postura da mãe é contrastante, oferecendo o contraponto que gera a ironia. Não se trata de uma família feliz. Aquele momento de alegria aparente não é sincero. É algo forçado pela inconveniência de Rodrigo. Cláudia participa a contragosto, com a expressão cansada de quem não quer mais lidar com a situação. De uma mulher até incrédula diante de um homem que teve todas as oportunidades de ser um bom marido e pai, mas que só se mexeu quando se sentiu ameaçado por outro homem.
A Taça Partida é uma grata surpresa que a Mostra nos traz esse ano. Mais um bom filme de um país que tem produzido muita coisa legal nos últimos anos e um retrato irônico do quão patética é a necessidade masculina de autoafirmação.
A Taça Partida está disponível na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Publicitário que escreve sobre cinema desde 2020. Colabora como crítico no site Cinema com Crítica.