Existem muitos traumas que cercam a experiência de Ambar nos Estados Unidos: o sentimento de culpa por haver abandonado a mãe no leito de morte, a condição de imigrante em um país hostil que a deseja somente como mão de obra barata para serviços que os americanos não desejam realizar, a violência contra a mulher praticada por homens que têm seus interesses particulares. Quando a encontramos, Ambar tem dificuldade em renovar o período de aluguel porque não tem carteira de identidade e, para conseguir falsificar em que conste haver nascido no Texas (não em Ohio), precisa desembolsar 3 mil dólares. Isto a empurra a morar em uma pensão para mulheres, estranhamente comandada por um homem, onde começa a testemunhar eventos estranhos relacionados a um artefato latino.
O diretor Santiago Menghini, estreante em longas-metragens e que trabalhou em curtas-metragens e na supervisão de efeitos especiais, transforma a experiência de Ambar em um pesadelo sob a iluminação precária que oscila em circunstâncias bastantes específicas. Com a visibilidade comprometida com relação a parte do que acontece no escuro da pensão, Ambar tateia no escuro como também testa sorte em permanecer no país ilegalmente. Prova disto é depositar a fé em alguém que a trairá e impactará, negativamente, na chance minúscula que tem de usufruiu o idealista sonho americano. Ao menos o chefe da tecelaria onde trabalha é honesto por não esconder sua opressão diária.
Quem interpreta Ambar é a atriz mexicana Cristina Rodlo, com boas participações nas séries Muito Velho para Morrer Jovem e The Terror, além de na refilmagem Miss Bala. Cristina evita o caminho percorrido da protagonista indefesa e adota uma postura combativa, ainda que ausentes os recurso de combate. Ela não somente teme o inesperado, procura enxergá-lo como reflexo da própria situação, enquanto ainda barganha sua forma de sobreviver. Já Marc Menchaca, de The Ozark, tenta conferir dignidade ao antagonista, colocando-o como agente e refém de um sistema de opressão de que acredita não poder escapar, porque deve retribuir algo que recebeu no passado (mas não entro em maiores detalhes para evitar spoilers).
O filme é a segunda adaptação de uma obra literária de Adam Nevill – a anterior, O Ritual, também está disponível na Netfilx -, com o roteiro assinado por Jon Croker e Fernanda Coppel, que podem desconhecer a situação dos imigrantes e a (escassa, mas existente) rede de apoio, embora saibam como tornar macabro o que aparentava ser um terror-metáfora. Na literalidade chocante, o drama de Ambar se torna vívido e pungente, e também enigmático, em como corrige a passada e abre caminho à protagonista em uma terra que não é sua.
Ninguém sai Vivo está disponível na Netflix.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.