No período de 2014 a 2018, o diretor chinês Wang Bing documentou a experiência de jovens e adultos chineses, entre 16 a 20 e tantos anos, na função de costureiros de fábricas têxteis. Com isto, revelou as condições precárias de trabalho e moradia, a exploração da mão de obra e o cotidiano da juventude, enxergada como engrenagem, máquina, não como indivíduo. Este trabalho tem na duração de 212 minutos simultaneamente o ponto forte e fraco.
De um ponto de vista puramente intelectual, dá para perceber que a extensa duração é tão massacrante para o espectador quanto é o cotidiano daqueles trabalhadores. Apesar dos sorrisos e brincadeiras trocadas, não há vida senão dentro da fábrica. A força de trabalho mora dentro das instalações insalubres e coletivas cedidas pela empresa, em uma espécie de servidão contemporânea disfarçada de capitalismo. O caráter repetitivo da narrativa, que vira e mexe retoma os mesmos temas (a negociação salarial) e apresenta personagens que não aqueles que havíamos conhecido, reforça a descartabilidade da mão de obra e como a demanda dos trabalhadores jamais é atendida plenamente.
A duração é uma parte indispensável da experiência de perceber que tudo permanece igual, apesar da passagem do tempo e da mudança do enfoque entre filiais da empresa. Por outro lado, do ponto de vista emocional e não há forma imediata de reagir à arte que não seja assim, o documentário exige demais do espectador. Wang Bing fadiga a mente a cada vez em que registra naturalisticamente a negociação salarial ou segue algum dos personagens até o final da rua para comprar comida. Caso Youth (Spring) não tivesse 212 minutos, seria uma obra diferente com o revés de abrandar o tempo, a repetição, o aspecto cíclico em prol de uma relação que não seja aquela que o diretor deseje alcançar. Ao mesmo tempo, este mesmo atributo formal que serve bem à denúncia do documentário afasta o espectador. Deve haver saída, mas não é papel da crítica decidir como a obra deveria ter sido feita, só analisar a obra que há.
A câmera de Wang Bing é instável e acompanha, sem intervir, o que poderíamos denominar essencial à denúncia, o trabalho propriamente dito e o aspecto maçante e alienante dele, e acessório, mas obrigatório à experiência: os momentos em que os trabalhadores jantam, e um deles assiste a um filme ou uma série no celular, enquanto o outro perto dele escalda os pés em uma bacia de água quente. Ou as conversas prosaicas referentes à maternidade e ao aborto, a melhor idade para casar, o início da experiência de fumante, sem esquecer as rivalidades, brigas e até apostas de quem produz mais peças de roupa (o que só comprova o argumento central da obra).
Youth (Spring) é eficaz, em termos intelectuais, embora faça os 262 minutos de Occupied City parecerem um episódio de Friends. Entre a relação emocional e a racional, meu voto é sempre na primeira, e ao término do documentário a sensação era de ter sobrevivido a uma maratona.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.