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A Porta ao Lado

A Porta ao Lado

115 minutos

Letícia Colin e Bárbara Paz estreiam romance maduro sobre relacionamentos contemporâneos

Relacionamentos inspiram um sem número de histórias cinematográficas, televisivas ou literárias, porque ilustram um aspecto contraditório essencial da experiência humana: a busca pela felicidade no próximo, com o sacrifício de uma parte dos desejos individuais. Pareço estar repetindo as condições monogâmicas dos relacionamentos burgueses, amparados na tradição e religião, embora invariavelmente essas estejam entranhados no pensamento popular. Ser afetivamente feliz a médio ou longo prazo, logo, requer abdicar daquilo que poderia nos fazer felizes no momento. Assim, desde o significado implícito no título, A Porta ao Lado trata da renúncia de desejos individuais dentro de relacionamentos. 

Faz isso a partir do casal Mari (Letícia) e Rafa (Dan), cujo relacionamento nasceu de sexo casual e da impossibilidade dela em deixar o prédio dele porque o interruptor da porta não funcionava. A ideia de um relacionamento acidental, digamos assim, com a sensação formal de equivaler a uma prisão em regime semiaberto – cujas grades Mari só percebe no terço final – não a impede, à primeira vista, de se sentir feliz com o marido por um período de tempo significativo, mas não explicitado. 

Tudo muda com a chegada de novos vizinhos Isis (Bárbara) e Fred (Túlio), que provocam a quebra da janela da sala de estar e evidenciam a liberdade que há do lado de fora. Logo, o teto de vidro do casal começa a revelar rachaduras à medida que o relacionamento fechado deles é contraposto ao relacionamento aberto de Isis e Fred. Não é somente Isis que deseja Mari, mas também Fred, com quem a protagonista se envolve, obrigando-a a rever a sua relação e os seus sentimentos. 

A esposa que decide experimentar desejos e prazeres além do casamento tradicional não é uma personagem inédita no cinema, mas Letícia Colin confere-lhe incertezas, inseguranças e dúvidas a ponto de torná-la inédita o bastante para A Porta ao Lado. A atriz trabalha o “e se…” na forma do olhar que anseia e deseja, mas que se reprime, até não poder se reprimir mais. E a direção reproduz o desejo de Mari a partir de uma câmera voyeur, que espia os cômodos e espaços à distância, enquadrados não só dentro da moldura da tela do cinema, mas de móveis ou portais, dando-nos a sensação de intromissão onde não deveríamos estar. 

É a sensação que deve causar essa narrativa madura, embora equivocada em dois aspectos. O mais chamativo deles é a exposição panfletária, de maneira desencaixada na narrativa. Em certo instante, Mari sugere a Rafa utilizarem um consolo durante o sexo, razão para que o marido sinta a masculinidade fragilizada e fique evidenciada a questão da posse que há dentro do relacionamento (“não está satisfeita comigo”, Rafa pergunta-lhe, ignorante ao fato de que o consolo nada tem a ver com o desempenho dele, mas com a exploração da sexualidade da mulher). A cena é eficaz até rebater a crítica sobre questões de gênero com a devolução em razão da etnia e cor da pele: “você quer falar comigo sobre preconceito?”, responde Rafa, sufocando a queixa feminina e individual de Mari com o travesseiro racial. Noutro instante, Isis grita na discussão com Fred algo parecido a “meu corpo minhas regras”. 

Não é que seja desfavorável a essas pautas sociais, mas a forma nada sutil com que são inseridas dentro da narrativa. E também contraditória em razão de uma decisão que, a meu ver, vai de encontro ao que Júlia Rezende havia construído. Quando Mari surpreende Rafa, com o sorriso malicioso no rosto, trocando mensagens no celular de madrugada e confirma a infidelidade dele, eu tive a sensação de que a narrativa tentava justificar o adultério dela, subjugando-o ao de Rafa. A traição deixava de ser fruto do desejo de Mari e estava implicada na desconfiança com o marido. 

Além de o adultério dele ser irrelevante no mínimo às pretensões narrativas, ainda subjuga o desejo dela de vivenciar a aventura extraconjugal em ciúmes e retaliação (in)consciente. Isto abala o discurso, o de que Mari é livre de expressar e vivenciar o tesão por Fred, em favor da crítica a relacionamento de forma geral, posando a questão óbvia da história: se relacionamentos fechados são cheios de mentiras e relacionamentos abertos, de amargor e ressentimento, que relacionamento sobra para que nós sejamos felizes?

A depender de A Porta ao Lado, a terceira via está mais distante do que podemos alcançar e contemplar com o olhar enquanto o filme desperdiça a individualidade da protagonista. 

Crítica publicada durante a cobertura do 50º Festival de Cinema de Gramado

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1 comentário em “A Porta ao Lado”

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