O Acre coloca-se no mapa dos longas-metragens brasileiros
Baseado no livro escrito pelo diretor Sérgio de Carvalho em 2011, Noites Alienígenas realiza história no Festival de Gramado: é o primeiro longa-metragem do estado do Acre produzido para o cinema. Seu roteiro, co-escrito por Camilo Cavalcanti e Rodolfo Minari, analisa a consequência da chegada das facções criminosas do sudeste na capital Rio Branco e como isso impacta a vida dos personagens, posicionados no interior de um mosaico narrativo em que cada decisão deságua na vida da pessoa ao lado.
Rivelino (Knoxx) é um jovem de 17 anos, envolvido com o traficante Alê (Diaz), um homem cuja abordagem ao tráfico é menos capitalista e, digamos assim, mais romântica. Rivelino está envolvido com Sandra (Damasceno), que trabalha de garçonete no bar para arcar sozinha com a criação do filho que teve com Paulo (Reis), um descendente de indígenas e viciado em drogas. O que movimenta esses personagens não é um evento central, mas perturbações que se acumulam e que temos acesso em razão do recorte feito pela direção: Rivelino e Alê desentendem-se pois o princípio deste não se adequa às ambições daquele, Paulo busca dinheiro junto à mãe e à ex-companheira e pede até fiado para comprar droga, Sandra permanece íntegra no trabalho ao lado da amiga Marta (Arara). Há também Beatriz (Gatis), preocupada com o futuro do filho Rivelino.
Falta coesão no retrato da degradação dessas vidas. As subtramas coexistem através de um laço frágil que as unifica, nem sempre justo com os personagens que gravitam em torno de Rivelino. As relações mudam da água ao vinho de repente, desacompanhadas de cenas intermediárias ilustrativas do término entre Rivelino e Sandra ou do momento em que Paulo endivida-se com a organização criminosa dominante. Até é compreensível a decisão – ante a capacidade de preencher a lacuna e estabelecer a relação de causa e efeito faltosa -, mas isso reduz o envolvimento do espectador com os personagens, cujas ações são erráticas e irregulares.
Entretanto, se falta coesão, é abundante a energia contida em cada cena, desde a primeira, um plano sem cortes em que Chico Diaz e Gabriel Knoxx conversam sobre arte, sonhos, expectativas e alienígenas, dando a entender que aquele se coloca como figura paterna. Na verdade, Alê é o pai daqueles jovens que estão morrendo na guerra entre facções, viu-os criança, tem seu respeito mesmo posicionado fora daquele grupo. Essa tônica é mantida, e Sérgio de Carvalho é feliz em encenar as cenas individualmente, de forma clássica e direta ou de maneira figurativa, como na dança desesperada de Beatriz, mais reveladora do que palavras podem enunciar.
Apesar de ser uma ficção, Noites Alienígenas é um drama real das periferias brasileiras, particularmente de um estado que, muitas vezes, é esquecido dentro do mapa geográfico e de políticas públicas e sociais. Assim, a tentativa de conferir à narrativa feições de realismo mágico, mesmo que válida, chega tarde para resgatar seus jovens (e adultos) daquele buraco negro de onde nem a espaçonave alienígena mais avançada poderia escapar.
Crítica publicada durante a cobertura do 50º Festival de Cinema de Gramado
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.