Após a recepção morna de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, em 2008, a conversa a respeito de eventuais sequências da série esfriou. Ainda que houvesse pronunciamentos de Steven Spielberg e Harrison Ford sobre o retorno do professor de arqueologia Henry James Júnior, tudo permanecia no reino de rumores e incertezas. Mas aí o operário da indústria James Mangold herdou a direção de Spielberg, que só produziu, os irmãos John-Henry e Jez Butterworth foram contratados para reescrever o roteiro de David Koepp e a indústria percebeu o potencial de obras que capitalizam na nostalgia. As cartas estavam na mesa para Indiana Jones e a Relíquia do Destino.
Que, ainda que não esteja à altura da trilogia original, vou explicar à frente o motivo, é bem superior ao antecessor, proporcionando ao espectador uma despedida à altura de um dos personagens essenciais do cinema. A aventura inicia na 2ª Guerra Mundial, quando Indiana Jones, rejuvenescido digitalmente, e o arqueólogo Basil (Toby Jones) buscam obter a lança do destino, marcada pelo sangue de Jesus, dos soldados nazistas chefiados pelo Coronel Weber (Thomas Kretschmann). Enquanto isto, o Doutor Jürgen Voller (Mads Mikkelsen) tenta convencer Weber a obter o Antikythera, a relíquia criada por Arquimedes que poderia controlar o tempo. Eventualmente, Indiana toma o Antikythera e Voller é dado como morto.
Corta para os eventos posteriores a O Reino da Caveira de Cristal. Indiana mora sozinho em um apartamento de Nova York, com o pedido de divórcio em cima da mesa e o luto pela morte do filho, que era interpretado por Shia LaBeouf, o que justifica seu corte definitivo da série. Após uma aula entediante de arqueologia, Indiana reencontra a afilhada Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge), filha do já falecido Basil, interessada em leiloar a Antikythera no mercado clandestino. Um dos interessados é Schmidt, a identidade que Voller adotou após migrar aos Estados Unidos e contribuir com o programa de foguetes do país.
A direção de James Mangold não tenta adicionar a personalidade própria à obra, até porque é difícil encontrar uma identidade (desculpem o trocadilho) em quem dirigiu obras diversas como são Cop Land, Garota Interrompida, Kate & Leopold, Os Indomáveis, Logan e Ford vs. Ferrari. James Mangold é humilde em encenar a ação e reaver os atributos por que nos tornamos fãs do personagem, em particular o fato de ser um homem comum cujo heroísmo é resultado da química entre covardia, rabugice, teimosia e sorte. Indiana não é um herói, pois parte para salvar o mundo do mal; é herói pelo amor à história e ainda porque é a única pessoa a fazer o que faz.
A idade e o desencanto com a sociedade – que permanece matando seus filhos na guerra – acentuam a resistência de Indiana em ser rotulado como herói. O melhor disto é que Helena tampouco é heróica. É anti-heróica e individualista. Os melhores momentos da aventura são aqueles em que o sarcasmo de Phoebe Waller-Bridge reage com o carisma rabugento de Harrison Ford e provoca faíscas na troca de farpas e frases de efeito em forma de diálogos e do sentimento compartilhado de que um é a família restante do outro. Já Mads Mikkelsen tenta conferir profundidade ao vilão na percepção de que a ditadura de Adolf Hitler estava fadada desde o início, mas o êxito é moderado porque não há muito o que o ator pode fazer com o personagem.
Entre personagens novos (Antonio Banderas é o mergulhador Renaldo) e clássicos (John Rhys-Davies retorna como Sallah) e cenas de aventura encenadas com a combinação entre efeitos digitais, tela verde, stunts e recursos práticos e que, às vezes, estendem-se além da conta (nunca pensei que diria isso de uma cena de ação), a alma da obra é o protagonista e o questionamento quanto à relevância no mundo contemporâneo. A relíquia da obra não é o objeto criado por Arquimedes, mas o próprio Indiana, com razões suficientes para retornar ao passado, sejam de ordem familiar, sejam por amar o passado mais do que o agora. Todo o restante é uma justificativa para perceber como os eventos históricos testemunhados na forma de relíquia estão em igualdade com a história escrita a partir de 1981, no lançamento de Os Caçadores da Arca Perdida.
Ao pôr o elemento humano em primeiro plano, com Harrison Ford à vontade em adicionar a vulnerabilidade etária à personalidade, Indiana Jones e a Relíquia do Destino justifica a emoção sentida a cada momento em que ouvimos a canção tema criada por John Williams. A título de comparação, o antecessor tinha nesses momentos a memória distante do motivo por que amamos o personagem; agora, a canção tema é a cereja do bolo de uma aventura final falha, mas cujos méritos compensam o investimento.
Crítica escrita durante a cobertura do Festival de Cannes 2023.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.